São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Cabe à Justiça proibir a divulgação de imagens pela internet?

SIM

Os direitos e os limites

FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES

SÓ POSSO dizer sim. Não há outra resposta, a não ser que admitamos que o que ocorre no mundo virtual paira em outra dimensão, em um mundo fantasmagórico, livre de qualquer peia moral ou legal. Algo não aceitável porque, seja qual for o avanço da informática, sempre restará no homem um núcleo duro de exigência de respeito a seus direitos. O problema está em como compatibilizar as exigências éticas e legais com a técnica, cada vez mais complexa e mutável, da comunicação eletrônica. Como casar direitos e deveres com as possibilidades de efetivo controle na transmissão via internet? Eis o grande desafio a ser enfrentado. Pela internet até mesmo se mata.
Segundo informação de um juiz italiano, a Máfia, inconformada com a "impunidade" do "traidor" que revelou seus tenebrosos segredos visando a delação premiada, passou a assassinar parentes do "pentito". Em certo caso, a Máfia mandou matar um irmão do fugitivo. Ele levou três tiros, mas não morreu. Permaneceu na UTI com vários aparelhos conectados ao corpo. Impossibilitada de "terminar o serviço" com chumbo, a Máfia contratou um hacker na Suíça para penetrar no sistema do hospital e desligar os aparelhos que mantinham vivo o irmão do arrependido. Menciono isso, "en passant", para frisar o potencial da internet, para o bem e para o mal.
Voltando ao Brasil, cabe frisar que a Constituição dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Dispõe também que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Se a CF nos assegura o direito de preservar a intimidade e a vida privada, e outras normas legais garantem o acesso aos tribunais para a efetivação desses direitos, é obrigação incontornável do Judiciário examinar cada pedido e tomar as providências cabíveis.
Isso ocorre com todos os abusos, ou alegados abusos, na mídia. O juiz profere uma decisão provisória, liminar, que será, ou não, futuramente mantida, após instrução do processo. Exigir que o juiz nunca conceda liminares sem ouvir a parte contrária é, em certos casos, utópico. Haveria uma espera de muitos dias, aguardando a resposta. E, nessa espera, quando fosse deferida a liminar, o dano (abalo da reputação) estaria consumado. Não adianta argumentar que sempre resta o consolo de um pedido de indenização, pois, por vezes, o prejudicado está mais interessado na reputação que no dinheiro. E o ofensor nem sempre tem recursos para indenizar.
Alguém pode alegar que, quando se trata de artistas, não há por que deferir nenhuma liminar, pois todo artista estaria interessado em aparecer e suscitar polêmicas. Nem sempre. Juridicamente, não há como retirar de nenhum cidadão o direito de preservação da imagem. "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", diz o caput do art. 5º da Constituição. A proteção legal não pode ser retirada de artistas, políticos ou outras figuras notórias.
A circunstância de ser figura notória apenas influirá na avaliação das provas da sinceridade da "indignação" da vítima, ou suposta vítima. O juiz levará em conta que figuras públicas devem ter precauções de conduta em público muito superiores às de figuras comuns, porque se sabem mais observadas. Se a "vítima" abusou no pedido, pode responder patrimonialmente por isso. Não se alegue que a CF proíbe a censura prévia. Proíbe-a, realmente, mas proíbe também crimes, entre eles a calúnia e a difamação. Se o leitor souber que alguém colocou na internet uma série de deslavadas mentiras visando desmoralizá-lo, certamente concordará que a liberdade de difusão não pode ser encarada de modo absoluto. Tentará impedir, judicialmente, que a calúnia se espalhe.
Isso é lícito e nada tem a ver com a nobre liberdade de comunicação. Qualquer norma legal deve ser interpretada como concebida para proteger direitos e interesses, porém legítimos.


FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES, 74, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, é membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Academia de Ciência de Nova York.


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