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TENDÊNCIAS/DEBATES
Cabe à Justiça proibir a divulgação de imagens pela internet?
SIM
Os direitos e os limites
FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES
SÓ POSSO dizer sim. Não há outra
resposta, a não ser que admitamos que o que ocorre no mundo
virtual paira em outra dimensão, em
um mundo fantasmagórico, livre de
qualquer peia moral ou legal. Algo
não aceitável porque, seja qual for o
avanço da informática, sempre restará no homem um núcleo duro de exigência de respeito a seus direitos.
O problema está em como compatibilizar as exigências éticas e legais
com a técnica, cada vez mais complexa e mutável, da comunicação eletrônica. Como casar direitos e deveres
com as possibilidades de efetivo controle na transmissão via internet? Eis
o grande desafio a ser enfrentado.
Pela internet até mesmo se mata.
Segundo informação de um juiz italiano, a Máfia, inconformada com a
"impunidade" do "traidor" que revelou seus tenebrosos segredos visando
a delação premiada, passou a assassinar parentes do "pentito".
Em certo caso, a Máfia mandou matar um irmão do fugitivo. Ele levou
três tiros, mas não morreu. Permaneceu na UTI com vários aparelhos conectados ao corpo. Impossibilitada de
"terminar o serviço" com chumbo, a
Máfia contratou um hacker na Suíça
para penetrar no sistema do hospital
e desligar os aparelhos que mantinham vivo o irmão do arrependido.
Menciono isso, "en passant", para
frisar o potencial da internet, para o
bem e para o mal.
Voltando ao Brasil, cabe frisar que a
Constituição dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente
de sua violação". Dispõe também que
"é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".
Se a CF nos assegura o direito de
preservar a intimidade e a vida privada, e outras normas legais garantem o
acesso aos tribunais para a efetivação
desses direitos, é obrigação incontornável do Judiciário examinar cada pedido e tomar as providências cabíveis.
Isso ocorre com todos os abusos, ou
alegados abusos, na mídia. O juiz profere uma decisão provisória, liminar,
que será, ou não, futuramente mantida, após instrução do processo.
Exigir que o juiz nunca conceda liminares sem ouvir a parte contrária é,
em certos casos, utópico. Haveria
uma espera de muitos dias, aguardando a resposta. E, nessa espera, quando
fosse deferida a liminar, o dano (abalo
da reputação) estaria consumado.
Não adianta argumentar que sempre
resta o consolo de um pedido de indenização, pois, por vezes, o prejudicado está mais interessado na reputação que no dinheiro. E o ofensor nem
sempre tem recursos para indenizar.
Alguém pode alegar que, quando se
trata de artistas, não há por que deferir nenhuma liminar, pois todo artista
estaria interessado em aparecer e
suscitar polêmicas. Nem sempre.
Juridicamente, não há como retirar
de nenhum cidadão o direito de preservação da imagem. "Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza", diz o caput do
art. 5º da Constituição. A proteção legal não pode ser retirada de artistas,
políticos ou outras figuras notórias.
A circunstância de ser figura notória apenas influirá na avaliação das
provas da sinceridade da "indignação" da vítima, ou suposta vítima. O
juiz levará em conta que figuras públicas devem ter precauções de conduta em público muito superiores às
de figuras comuns, porque se sabem
mais observadas. Se a "vítima" abusou no pedido, pode responder patrimonialmente por isso.
Não se alegue que a CF proíbe a
censura prévia. Proíbe-a, realmente,
mas proíbe também crimes, entre
eles a calúnia e a difamação. Se o leitor souber que alguém colocou na internet uma série de deslavadas mentiras visando desmoralizá-lo, certamente concordará que a liberdade de
difusão não pode ser encarada de modo absoluto. Tentará impedir, judicialmente, que a calúnia se espalhe.
Isso é lícito e nada tem a ver com a nobre liberdade de comunicação. Qualquer norma legal deve ser interpretada como concebida para proteger direitos e interesses, porém legítimos.
FRANCISCO CÉSAR PINHEIRO RODRIGUES, 74, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo,
é membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e da
Academia de Ciência de Nova York.
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