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CLÓVIS ROSSI
Missa de réquiem
SÃO PAULO - O padre estranhou quando foi procurado por um jovem
da periferia (de São Paulo) que queria se confessar. Não é comum, hoje,
que jovens se confessem. Acho até que
nem os mais velhos se confessam,
mas essa é outra história.
"Padre, tive uma oferta de emprego
para ganhar R$ 350", começou a contar o jovem. "Que bom", festejou o
padre. "Acontece que não pude aceitar, porque ganho R$ 800 como
"avião" do tráfico. Fiquei com dor de
consciência e vim me confessar", encerrou o jovem.
Se os jovens da periferia (em São
Paulo ou em outras cidades brasileiras) tivessem o hábito de se confessar
regularmente, os confessionários da
pátria se transformariam em missa
de réquiem para as políticas sociais e
de desenvolvimento dos últimos muitíssimos anos (séculos, talvez).
É simplesmente impossível construir um país civilizado quando o crime compensa. Em especial se compensa bem mais que outras atividades remuneradas ao alcance de jovens de pouca ou nenhuma qualificação profissional (note o leitor que o
tráfico paga mais que o dobro em relação à colocação oferecida ao jovem
do confessionário).
Pior: quem lida com esses jovens
conta que eles têm perfeita noção de
que morrerão cedo. Não lhes importa: preferem viver com algum dinheiro o pouco tempo que lhes é concedido do que arrastar-se na pobreza que
é tudo o que conhecem do país digamos "normal".
É uma inversão absoluta de comportamento: jovem, em qualquer lugar do mundo, foi feito para se achar
imortal, não para imaginar a morte
na primeira curva.
Acaba sendo natural que considere
a vida barata, a dele e a dos outros.
Para esse horror sem fim, só mesmo
Deus talvez tenha solução. Porque os
humanos que habitamos a pátria já
perdemos a guerra faz tempo.
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