São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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CLÓVIS ROSSI

Missa de réquiem

SÃO PAULO - O padre estranhou quando foi procurado por um jovem da periferia (de São Paulo) que queria se confessar. Não é comum, hoje, que jovens se confessem. Acho até que nem os mais velhos se confessam, mas essa é outra história.
"Padre, tive uma oferta de emprego para ganhar R$ 350", começou a contar o jovem. "Que bom", festejou o padre. "Acontece que não pude aceitar, porque ganho R$ 800 como "avião" do tráfico. Fiquei com dor de consciência e vim me confessar", encerrou o jovem.
Se os jovens da periferia (em São Paulo ou em outras cidades brasileiras) tivessem o hábito de se confessar regularmente, os confessionários da pátria se transformariam em missa de réquiem para as políticas sociais e de desenvolvimento dos últimos muitíssimos anos (séculos, talvez).
É simplesmente impossível construir um país civilizado quando o crime compensa. Em especial se compensa bem mais que outras atividades remuneradas ao alcance de jovens de pouca ou nenhuma qualificação profissional (note o leitor que o tráfico paga mais que o dobro em relação à colocação oferecida ao jovem do confessionário).
Pior: quem lida com esses jovens conta que eles têm perfeita noção de que morrerão cedo. Não lhes importa: preferem viver com algum dinheiro o pouco tempo que lhes é concedido do que arrastar-se na pobreza que é tudo o que conhecem do país digamos "normal".
É uma inversão absoluta de comportamento: jovem, em qualquer lugar do mundo, foi feito para se achar imortal, não para imaginar a morte na primeira curva.
Acaba sendo natural que considere a vida barata, a dele e a dos outros.
Para esse horror sem fim, só mesmo Deus talvez tenha solução. Porque os humanos que habitamos a pátria já perdemos a guerra faz tempo.


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