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CARLOS HEITOR CONY
Evocação
RIO DE JANEIRO - Nunca fui chegado a desfiles de escolas de samba
-sei o que estou perdendo, mas passo relativamente bem sem eles. Mesmo assim, sempre me interessei pela
apuração após a grande festa, não
pelo desfile propriamente dito, mas
pela torcida em que predominavam
duas entidades que o Carnaval carioca tornou famosas: dona Zica e dona
Neuma. Devem estar no reino dos
céus, agora, sem necessidade de torcer pela Mangueira, da qual eram ao
mesmo tempo sacerdotisas, oráculos
e talismãs.
Com emoção e pasmo, acompanhava a aflição delas quando se apuravam os votos dos jurados relativos
ao desfile mangueirense. Elas sofriam
o diabo, e a imprensa em peso, rádio
e TV juntos, se fixava nelas. A cada
voto, as duas gemiam e choravam,
não neste vale de lágrimas, mas na
sala da Riotur. Ai, Jesus! Minha Nossa Senhora! Valei-me, Senhor do
Bonfim! Ai que não agüento mais!
Tenha misericórdia de nós!
Tiravam a pressão delas, temia-se
por um desenlace. Nem sempre ganhavam, mas as súplicas eram as
mesmas. Transcenderam ao Carnaval, aos desfiles, nada se fazia no
mundo ou no Brasil sem que o pessoal da mídia as consultasse. Sem ouvir dona Neuma e dona Zica, perdia-se a bússola, nada se entendia de nada e tudo ficava dolorosamente problemático. Elas eram consultadas sobre a explosão daquela nave espacial,
sobre a doença de Tancredo Neves,
sobre a pílula do homem, os buracos
negros do universo, as contas no exterior do PC Farias.
Sinto falta delas e acho que elas fazem falta ao Brasil. Ficou mais difícil
encontrar o nosso caminho, optar pelos rumos de nosso desenvolvimento,
estabelecer prioridades nacionais.
Nem sei como estamos sobrevivendo
sem elas.
Acredito muito nessas coisas. Até
hoje não encontramos os ossos de Dana de Teffé, e atribuo todas as nossas
mazelas a esse enigma não-decifrado. Minhas esperanças estavam centradas em dona Neuma e dona Zica.
Mas elas se foram e nos deixaram no
inverno de nossa desesperança.
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