São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Vícios públicos e privados

SÃO PAULO - Em artigo publicado anteontem na seção "Tendências/Debates", a professora Marilena Chaui procura depositar na conta da imperfeição institucional as negociatas que se sucedem nos nebulosos territórios da captação de recursos para campanhas e das negociações entre Executivo e Legislativo.
A tese é que os seres humanos não agem apenas racionalmente, mas são movidos por paixões, o que nos conduziria à necessidade de organizar as instituições de modo a induzi-los a "bem administrar". Sendo assim, a crítica moralizante à corrupção deveria ceder lugar à "crítica cívica das instituições".
Transposto para a atualidade, o argumento sugere que não devemos criticar o ministro José Dirceu, mas o arcabouço institucional que o compele a manobrar temerariamente. A conclusão é que, se não fossem as distorções da representação política e as falhas no sistema de financiamento de campanhas, o PT poderia ter eleito maioria parlamentar, o que restringiria o balcão político. E não haveria necessidade de "operadores" como Waldomiro Diniz para pedir dinheiro a "empresários do bingo".
Certamente aperfeiçoamentos institucionais são necessários e podem estimular a ação virtuosa, mas, mesmo que isso ocorra, não há como aliviar os agentes políticos da parcela de responsabilidade pela qual precisam responder.
No caso das administrações petistas, não se trata, de fato, de exigir que as supostas virtudes privadas de seus quadros se traduzam em virtudes públicas num ambiente institucional vicioso. A crítica deve ser feita, como quer a professora, a uma instituição pública, no caso o PT. O partido sempre apareceu para a sociedade como o guardião-mor da pauta republicana, mas os sinais cada vez mais enfáticos são de que, uma vez no poder, está utilizando essa prerrogativa para acobertar sua cumplicidade com os vícios públicos -e não para assumir a liderança moral e política de uma transformação.


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