São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Questão pessoal

RIO DE JANEIRO - Pode parecer exagero da parte do cronista, mas, quando soube do último desabafo do Aloizio Mercadante a respeito da crise que envolve o governo e o PT, lembrei-me, nada mais, nada menos, do papa João Paulo 2º.
Mercadante assumiu lucidamente sua posição, sem subterfúgios e quase sem entrar no mérito dela. Como líder do governo, defende o governo. Como membro do PT, adota a linha do partido pelo qual foi eleito senador com uma votação espetacular.
A comparação com a linha do pontificado do papa atual procede. Há um consenso de que sua atuação no cenário internacional, como líder espiritual de 1 bilhão de crentes, marcará a história do nosso tempo. Contudo ele vem sofrendo pesadas críticas de parte considerável dos católicos, que não aprovam o seu conservadorismo, condenando o aborto, a pílula, o sacerdócio das mulheres e o casamento dos homossexuais.
Num caso como o dele, é irrelevante entrar no mérito de suas posições, consideradas anacrônicas por muitos católicos. Ele foi eleito papa para defender um conjunto de crenças e tradições que, certas ou erradas, formam o patrimônio de uma instituição duas vezes milenar. Nada de admirar que seja fiel a esse patrimônio.
Em escala diferente, mas com igual significado, a posição de Mercadante é a mesma. Ele representa um partido e um governo que podem, eventualmente, estar na contramão da história, e pessoalmente considero que tanto o PT como o grupo que está no poder embarcaram numa canoa furadíssima.
Como acontece nos naufrágios, somente os ratos abandonam o barco em perigo. Assim como o papa comprou o pacote integral de sua crença, o senador petista fez o mesmo, e quem sabe, nas entranhas do partido e do governo, tenha opinião parcialmente discordante da maioria. É uma questão pessoal que só ele tem o direito de decidir.


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