São Paulo, sábado, 13 de março de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Doce e bárbaro

SÃO PAULO - "E aí, Panguinha?" -era assim, com um misto de carinho e ironia característicos, que Glauco costumava saudar algumas pessoas na Redação do jornal. "Panga" ou "panguinha" são corruptelas de pangaré. No início dos anos 90, tive a felicidade de me tornar um dos "pangas". Éramos mais jovens e mais engravatados. E Glauco não perdia a chance: "E aí, Panguinha, bonita gravatinha". Mais tarde, quando as gravatas escassearam na Redação, ele não desistiu: "E aí, panguinha, cadê a gravatinha?".
Nada disso soava impertinente ou agressivo. Pelo contrário, Glauco era um doce. Divertido, atrapalhado, "meio tímido, meio brincalhão", na definição simples e precisa que Otavio Frias Filho fez dele no ensaio "Viagem ao Mapiá", no seu livro "Queda Livre" (2003).
Segundo vários relatos, Glauco exercia particular fascínio sobre as crianças. Coincidência ou não, há um núcleo infantil evidente na sua criação. A começar pelo traço, quase primitivo, dos personagens.
Eles são um feixe de ansiedades. No mais famoso, o eterno Geraldão, movimentos frenéticos e imobilismo se engalfinham. Cigarros, copos, garrafas, injeções, sanduíches, pernas, braços -tudo se confunde e se consome num frenesi estéril.
Satisfação e impotência, desejo e frustração, excessos e carências são inseparáveis na economia interna deste filhão da mamãe. O tipo genial de Glauco captou, como poucos, a fisionomia, as aflições, a tragicomédia da geração que cresceu e "espocou a cilibina" nos anos 80.
Não sei se cabe aqui a aproximação, mas o romance "Pornopopéia", lançado pelo escritor Reinaldo Moraes no ano passado, talvez seja o retrato mais agudo já feito da geração de Glauco e da que veio a seguir. Zé Carlos, o protagonista desajustado e compulsivo, é uma espécie de primo literário de Geraldão.
O eixo do humor de Glauco é comportamental. A política está lá, mas sua força reside em mostrar "como é ridícula essa coisa chamada ser humano", conforme escreveu Angeli. Hoje estamos mais burros, mais ridículos e mais tristes.


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