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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Doce e bárbaro
SÃO PAULO - "E aí, Panguinha?"
-era assim, com um misto de carinho e ironia característicos, que
Glauco costumava saudar algumas
pessoas na Redação do jornal. "Panga" ou "panguinha" são corruptelas
de pangaré. No início dos anos 90,
tive a felicidade de me tornar um
dos "pangas". Éramos mais jovens e
mais engravatados. E Glauco não
perdia a chance: "E aí, Panguinha,
bonita gravatinha". Mais tarde,
quando as gravatas escassearam na
Redação, ele não desistiu: "E aí,
panguinha, cadê a gravatinha?".
Nada disso soava impertinente
ou agressivo. Pelo contrário, Glauco
era um doce. Divertido, atrapalhado, "meio tímido, meio brincalhão",
na definição simples e precisa que
Otavio Frias Filho fez dele no ensaio "Viagem ao Mapiá", no seu livro "Queda Livre" (2003).
Segundo vários relatos, Glauco
exercia particular fascínio sobre as
crianças. Coincidência ou não, há
um núcleo infantil evidente na sua
criação. A começar pelo traço, quase primitivo, dos personagens.
Eles são um feixe de ansiedades.
No mais famoso, o eterno Geraldão,
movimentos frenéticos e imobilismo se engalfinham. Cigarros, copos, garrafas, injeções, sanduíches,
pernas, braços -tudo se confunde e
se consome num frenesi estéril.
Satisfação e impotência, desejo e
frustração, excessos e carências são
inseparáveis na economia interna
deste filhão da mamãe. O tipo genial de Glauco captou, como poucos, a fisionomia, as aflições, a tragicomédia da geração que cresceu e "espocou a cilibina" nos anos 80.
Não sei se cabe aqui a aproximação, mas o romance "Pornopopéia",
lançado pelo escritor Reinaldo Moraes no ano passado, talvez seja o
retrato mais agudo já feito da geração de Glauco e da que veio a seguir.
Zé Carlos, o protagonista desajustado e compulsivo, é uma espécie de
primo literário de Geraldão.
O eixo do humor de Glauco é
comportamental. A política está lá,
mas sua força reside em mostrar
"como é ridícula essa coisa chamada ser humano", conforme escreveu Angeli. Hoje estamos mais burros, mais ridículos e mais tristes.
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