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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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A ONU está pronta para ajudar

SHASHI THAROOR


A responsabilidade pela proteção dos civis apanhados pela guerra recai sobre as partes beligerantes

"Hoje, os meus pensamentos estão com o povo do Iraque, que enfrenta mais uma provação", disse o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ao ouvir a notícia do início da guerra no Iraque. Ao dizê-lo, não estava expressando os sentimentos de piedade que seriam esperados de qualquer secretário-geral em tempo de conflito. A verdade é que a organização que muitos dizem ter sido marginalizada durante a guerra encontra-se no centro daquilo que pode ainda se revelar um grande desafio humanitário.
Aqueles cuja visão da ONU foi determinada inteiramente pela atitude que adotou nos debates no Conselho de Segurança ignoram, em geral, um fato: a ONU está inevitavelmente envolvida na tarefa de fazer face às consequências de tal ação. As guerras provocam morte, destruição, desespero e deslocamento de populações. Desde que se desenhou pela primeira vez a perspectiva de uma guerra, a ONU e os seus organismos humanitários têm trabalhado para estarem preparados para uma catástrofe -catástrofe essa que continuamos, no entanto, a esperar que não ocorra.
Nas últimas duas décadas, o povo iraquiano passou por duas guerras de grandes proporções e está no meio de uma terceira; além disso, o país apresenta as marcas deixadas por conflitos internos, revoltas e 12 anos de sanções punitivas, que tiveram um efeito penoso. O povo iraquiano carece de água potável, de cuidados de saúde, de medicamentos e material de saneamento. Um milhão de crianças com menos de cinco anos sofrem de desnutrição crônica, segundo estimativas do Unicef; mais de 60% da população depende totalmente dos bens de primeira necessidade fornecidos ao abrigo do programa Petróleo por Alimentos.
A guerra e a consequente ruptura dos serviços e abastecimentos essenciais podem piorar a situação, fazendo com que milhões de pessoas deixem de ter acesso a alimentos e a água potável. Muitas dessas pessoas podem fugir para os países vizinhos. Se o fizerem, os organismos da ONU estarão prontos a ajudá-las. É essencial que os Estados vizinhos mantenham as suas fronteiras abertas aos refugiados. A ONU já havia instalado previamente na região fornecimentos essenciais que devem ser suficientes para fazer face às necessidades dos cerca de 2 milhões de pessoas que podem sair do Iraque, durante um mês.
Mas o apelo lançado pela ONU em dezembro de 2002, que visava obter US$ 123 milhões destinados a adquirir os meios necessários para esse trabalho, continua a estar muito longe de alcançar o seu objetivo: até agora só foram disponibilizados US$ 58 milhões. Em 28 de março a ONU apelou que fosse concedido um montante da ordem dos US$ 2,2 bilhões, a fim de alimentar o povo iraquiano e lhe prestar assistência nos próximos seis meses.
Entretanto o secretário-geral obteve recentemente do Conselho de Segurança autorização para administrar os recursos do programa Petróleo por Alimentos por um período inicial de 45 dias, a fim de utilizar uma parcela em situações de emergência imediata.
O auxílio humanitário de emergência é uma responsabilidade em relação à qual as Nações Unidas têm aquilo que pode ser denominado um mandato geral. A ONU vinha fazendo discretamente planos de contingência exaustivos e bem coordenados para aquilo que agora aconteceu e, portanto, está mais preparada atualmente do que esteve no caso de crises anteriores.
Ao mesmo tempo, é preciso sublinhar que, nos termos do direito internacional, a responsabilidade pela proteção dos civis apanhados pela guerra ou por um conflito recai sobre as partes beligerantes. No Iraque, é delas a principal responsabilidade. Aliás, a ONU evacuou o seu pessoal internacional quando a guerra começou. Embora os corajosos funcionários nacionais do Unicef e do Programa Mundial de Alimentos continuem a trabalhar no Iraque, não se pode dizer que a ONU, no seu conjunto, esteja plenamente operacional no país.
As Nações Unidas estão dispostas a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para prestar ajuda humanitária ao povo iraquiano, mas teremos uma capacidade reduzida de o fazer enquanto as condições no domínio da segurança não permitirem o regresso sem perigo do nosso pessoal às zonas afetadas. Até lá, a ajuda humanitária terá de ser prestada pelos EUA e os seus parceiros de coalizão nas zonas que controlam, de acordo com a responsabilidade geral que lhes cabe, à luz do direito internacional.
Há quem diga que se poderia pedir à ONU que fizesse mais. Mas, como Kofi Annan afirmou claramente, as Nações Unidas não podem fazer nada além do trabalho de caráter estritamente humanitário sem uma autorização emanada de um mandato específico do Conselho de Segurança.
Em qualquer zona de conflito, a responsabilidade pelo bem-estar da população civil recai sobre quem exerce o controle efetivo do território. A reconstrução, a administração civil e as questões relacionadas às estruturas de governo terão de ser tratadas depois da guerra, com respeito pela integridade territorial do Iraque e pelo direito do seu povo de determinar o seu futuro político e controlar seus recursos naturais.
Mas os membros do Conselho de Segurança terão de chegar primeiro a um acordo, para que a ONU possa ter um papel em qualquer desses domínios.
Entretanto a ONU está pronta a fazer aquilo que é o seu dever: prestar socorro às vítimas da guerra -o que não diminui as responsabilidades dos combatentes. E, um dia, quando os iraquianos precisarem de ajuda para reconstruir as suas vidas, depois desta provação, a comunidade internacional não deverá deixar de fazer o que for necessário.


Shashi Tharoor é subsecretário-geral das Nações Unidas para Comunicação e Informação Pública.


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