São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A privacidade do presidente
TAÍS GASPARIAN
O presidente Lula assumiu, desde o dia 1º de janeiro de 2003, o mais importante cargo público do país. Como homem público, sua esfera de privacidade é reduzida, pois seus atos importam à nação. Milhões de brasileiros confiaram a ele parcela importante do destino do país. A liberdade de informação e o direito à privacidade são princípios constitucionais que possuem a mesma escala valorativa. Mas há alguns pressupostos que fazem com que, diante de determinada situação concreta, seja lícito que um princípio se sobreponha ao outro. Um deles é o interesse público. Se o fato fosse atribuído a uma pessoa qualquer, sua divulgação poderia ser encarada como uma violação de intimidade, pois isso não diz respeito a ninguém, faltando-lhe o atributo principal referente à liberdade de imprensa, que é o interesse que a notícia desperta. Outro pressuposto é o fato de o retratado ser uma pessoa que ocupa um cargo público, devendo portanto satisfação à sociedade. Sobre isso, os tribunais do país, já há algum tempo, têm decidido que a esfera de privacidade de uma pessoa de renome, com vida pública ou destaque social, é menor, em razão do interesse que sua intimidade desperta. Se isso vale para um artista, um jogador de futebol ou um político, o que dizer se a notícia se referir ao presidente da República? O terceiro pressuposto é o de que o direito à informação afeta a todos os cidadãos, enquanto o direito à privacidade diz respeito a uma só pessoa ou a poucos, de tal sorte que, de modo geral, quando confrontados os princípios, e estando presente o interesse comum pela notícia, opta-se pela primazia do interesse público. Se há rumores de que o presidente tem bebido exageradamente, é legítimo que veículos de informação divulguem tal fato, já que é de interesse comum a informação sobre a saúde do presidente. Não há nenhuma invasão de privacidade. Aliás, como menciona o artigo do "NYT", não é de hoje que a imprensa brasileira tem feito alusão, embora de forma oblíqua, a esse assunto. Como se não bastasse, o presidente tem se deixado fotografar com copo de bebida na mão, o que, de certa forma, tira a questão do âmbito estritamente privado. E o fato de a informação ter alcançado o hemisfério Norte torna legítima a sua divulgação por um jornal estrangeiro. Se fosse uma gripe, uma pneumonia ou um tumor, ninguém discordaria de que os jornais estariam autorizados a fazer todo tipo de especulação. O assunto escolhido pelo jornal estrangeiro não se refere a um aspecto pessoal da vida do presidente que não tenha interferência com o exercício da função pública. O álcool tem influência direta sobre a capacidade de discernimento e sobre a capacidade de decisão de quem o bebe. Diferentemente do cigarro, por exemplo, o álcool afeta as atitudes de quem o consome e tem um efeito nocivo não só para a pessoa, mas para todos os que com ela se relacionam. Certamente interessa aos cidadãos ter mais informações sobre o assunto, tal como saber se se trata de consumo moderado, normal, ou se há algo mais. Até que se tenha um diagnóstico definitivo sobre a questão, é direito e mesmo dever dos jornais a busca pela informação verdadeira e a sua divulgação. O jornalista do "NYT", por mais que se possa criticá-lo, não cometeu nenhuma calúnia. Calúnia seria se o presidente tivesse sido acusado injustamente da prática de um crime. Mas não se trata de crime. Na pior hipótese, se confirmados eventuais excessos, trata-se de uma doença. Taís Gasparian, 45, advogada, é mestre pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP. Foi chefe-de-gabinete do ministro da Justiça (2002). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES André Singer: Uma reação à altura Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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