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ELIANE CANTANHÊDE
Questão de fé
BRASÍLIA - É inacreditável que a gente esteja discutindo em pleno 2004
questões com o obscurantismo da Era
Medieval. E apaixonadamente.
1 - O voto do ministro Marco Aurélio de Mello (STF) é tão justo que beira o óbvio: se um feto não tem cérebro nem chances mínimas de sobrevida, nada mais natural que a pobre
mãe tenha direito legal ao aborto. Se
vai ou não abortar, é outra história.
"Manter a gestação resulta em impor à mulher e à respectiva família
danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina", defendeu Mello.
2 - Palmada em criança para "educar" e "corrigir". Ato de amor? Tá
bem. Foi assim que vi crianças adoráveis, filhas de mestres e até doutores, desfilando com marcas roxas em
bracinhos e perninhas. Começa com
leves palmadas. Dependendo da
amargura e das frustrações dos adultos, acaba em surras de cinto. "E com
a fivela!", relatava uma vítima.
"Se batemos em adulto, é agressão;
em cachorro, crueldade. Em criança
é educação?", questionou a psicóloga
Maria Amélia Azevedo na Folha.
3 - O tratamento do homossexualismo como um ataque ou uma
ameaça ao casamento, à família e
aos heterossexuais. E partindo principalmente de quem não entende nada nem de casamento, nem de família, nem de hetero, nem de homossexualismo!
"Será que representamos uma
ameaça maior do que o preconceito
que exala dessas palavras?", perguntou o professor homossexual Mauro
Dunder, ontem no "Painel do Leitor".
Nas democracias, mulheres têm o
direito de interromper uma gravidez
fadada ao nada; as crianças têm o
direito de serem respeitadas e bem
tratadas; as pessoas, sejam homens
ou mulheres, têm o direito de fazer
sua opção sexual e de decidir como
vão ser felizes.
O que há por trás de todas essas discussões é o obscurantismo, de um lado, e a dignidade e a solidariedade,
de outro. Parece tão claro que fica esquisito escrever sobre isso. Ou melhor, ter de escrever sobre isso.
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