São Paulo, terça-feira, 13 de julho de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Questão de fé

BRASÍLIA - É inacreditável que a gente esteja discutindo em pleno 2004 questões com o obscurantismo da Era Medieval. E apaixonadamente.
1 - O voto do ministro Marco Aurélio de Mello (STF) é tão justo que beira o óbvio: se um feto não tem cérebro nem chances mínimas de sobrevida, nada mais natural que a pobre mãe tenha direito legal ao aborto. Se vai ou não abortar, é outra história.
"Manter a gestação resulta em impor à mulher e à respectiva família danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina", defendeu Mello.
2 - Palmada em criança para "educar" e "corrigir". Ato de amor? Tá bem. Foi assim que vi crianças adoráveis, filhas de mestres e até doutores, desfilando com marcas roxas em bracinhos e perninhas. Começa com leves palmadas. Dependendo da amargura e das frustrações dos adultos, acaba em surras de cinto. "E com a fivela!", relatava uma vítima.
"Se batemos em adulto, é agressão; em cachorro, crueldade. Em criança é educação?", questionou a psicóloga Maria Amélia Azevedo na Folha.
3 - O tratamento do homossexualismo como um ataque ou uma ameaça ao casamento, à família e aos heterossexuais. E partindo principalmente de quem não entende nada nem de casamento, nem de família, nem de hetero, nem de homossexualismo!
"Será que representamos uma ameaça maior do que o preconceito que exala dessas palavras?", perguntou o professor homossexual Mauro Dunder, ontem no "Painel do Leitor".
Nas democracias, mulheres têm o direito de interromper uma gravidez fadada ao nada; as crianças têm o direito de serem respeitadas e bem tratadas; as pessoas, sejam homens ou mulheres, têm o direito de fazer sua opção sexual e de decidir como vão ser felizes.
O que há por trás de todas essas discussões é o obscurantismo, de um lado, e a dignidade e a solidariedade, de outro. Parece tão claro que fica esquisito escrever sobre isso. Ou melhor, ter de escrever sobre isso.


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