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São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2003

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O poder da beleza

SHEILA LOBATO


Num Brasil em que muitos setores não conseguem deslanchar, a indústria de cosméticos é uma alentadora exceção

Já se foi o tempo em que perfumes, batons, cremes, massagens, banhos espumantes, xampus miraculosos e outras delícias eram distração de mulher fútil ou desocupada. Nos dias de hoje, tudo isso e muitas outras coisas que compõem o mundo da beleza são assunto de mulheres e, principalmente, de homens de negócios. Isso mesmo, beleza agora rima com grandes investimentos e retorno maior ainda.
Num Brasil em que muitos setores não conseguem deslanchar, em que o número de empregos mingua a cada mês e a maioria das empresas não vislumbra bom horizonte tão cedo, a indústria de cosméticos é uma alentadora exceção -emprega 2,2 milhões de pessoas, o dobro do número empregado em 1994; aumentou 74,5% seu faturamento líquido entre 1997 e 2002; reduziu os preços ao consumidor, em média, 48% em dólar no período; importa cada vez menos e exporta cada vez mais.
A receita de tanto sucesso é até simples. Primeiro, as mulheres aumentaram sua participação no mercado de trabalho e passaram a gastar mais e melhor consigo mesmas; segundo, a produtividade e a capacidade de lançar e atualizar produtos em tempo recorde tornaram-se espantosas, acompanhando par e passo o mercado internacional; finalmente, a expectativa de vida das brasileiras e dos brasileiros aumentou.
Hoje o Brasil tem cerca de 1.200 empresas atuando no mercado de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, sendo 14 de grande porte, com faturamento líquido acima de R$ 100 milhões ao ano. A oferta de empregos no setor cresce à taxa anual de 10,6%, acumulando 102,3% de 1994 a 2001. As exportações de cosméticos são o sonho de todo ministro: de 1997 a 2001, saltaram de US$ 78,6 milhões para US$ 146,7 milhões, enquanto as exportações totais do Brasil cresciam 21,9%. Essa indústria ainda importa muito, mas a cada ano vem diminuindo a dependência externa -de US$ 250,2 milhões em 97, para US$ 170,4 milhões em 2001.
O crescimento extraordinário dos índices de produtividade da indústria de cosméticos é, sem dúvida, um dos fatores mais importantes da sua rota de ascensão: apesar da variação cambial de 123,26% e do IPC de 25,6% no período de 1997 a 2001, os preços dos cosméticos subiram em reais apenas 20,35%. Mais, enquanto o PIB crescia 3,3% em 97 e a indústria, 4,7%, o setor disparava, com 13,9%. E quando o Brasil patinava em 98, com PIB de apenas 2% e a indústria andando para trás (-1,5%), o setor exibia 10,2% de crescimento. E continuou assim nos anos seguintes. No acumulado de 97 a 2001, o PIB cresceu modestos 10,4%, e o setor disparou, com a marca estelar de 56%! Tudo isso pode ser resumido em um faturamento líquido, já descontados os impostos e a inflação, que saltou de R$ 5,5 bilhões, em 97, para R$ 9,6 bilhões, em 2002.
E a indústria da beleza não pára de crescer. Só para citar, dois gigantes do setor de venda direta, porta a porta, Natura e Avon, um com 600 itens em seu catálogo e o outro com 800, faturaram em 2002, respectivamente, R$ 1,4 bilhão e R$ 2,6 bilhões. Juntas, essas duas empresas respondem por 6.800 empregos diretos em suas fábricas e um batalhão de 1,1 milhão de consultoras-vendedoras. O brasileiríssimo O Boticário, em seus 26 anos de vida, já está presente em sete países -cinco na América do Sul, mais Portugal e Japão. Sem contar as suas 2.200 franquias em todo Brasil. O Boticário trabalha com 1.350 pessoas em sua indústria e gera 10 mil empregos indiretos.
Isso tudo para ficarmos apenas nos cosméticos. Porque a indústria da beleza é muito maior, vai do popular batom às milhares de academias de ginástica, outro tanto de clínicas estéticas e centenas de milhares de cabeleireiros, manicures, maquiadores, massagistas, esteticistas, cirurgiões plásticos, dentistas, dermatologistas, nutricionistas. Explica-se: para 90% das brasileiras, cuidar da beleza é necessidade, e não luxo; 77% delas usam perfume diariamente e 81% se enfeitam para agradar a si próprias.
A auto-estima brasileira é tão grande que 61% acreditam que as mais velhas podem ser mais atraentes que as jovens. E são todas devoradoras de informação: 54% gostariam de ter aconselhamento profissional sobre como se maquiar, 29% confiam nos conselhos das revistas de beleza e 21% buscam apoio no dermatologista, segundo pesquisa da Avon. Certamente por isso somos o quinto maior mercado de cosméticos do planeta.
Portanto, senhores, muito respeito quando cruzarem com uma mulher perfumada, com pele de veludo, cabelos macios, corpo de sereia e sorriso reluzente. Ela está contribuindo mais para a economia do país e a distribuição de renda do que muito empresário por aí.


Sheila Lobato, 55, jornalista, é diretora da LobatoMerlin Editores.


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