São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

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JOSÉ SARNEY

Língua e ferrovia

Quando, em 1988, visitei Angola e conversei bastante com o presidente José Eduardo dos Santos, a guerra civil estava num dos seus piores momentos. Falamos, sobretudo, sobre o modelo atrasado e retrógrado da administração portuguesa. O presidente angolano pensava em fortificar e desenvolver as línguas tribais com o objetivo de extirpar o português. Fi-lo ver que a nossa experiência fora diferente. Aqui o português matou os dialetos, sobrepôs-se ao nheengatu, a língua geral, e serviu para consolidar a unidade nacional.
Assim, dizia eu ao presidente angolano, se os portugueses pouco deixaram em Angola, deixaram a língua, que a nova nação deveria utilizar para tirar todos os proveitos políticos, a unidade nacional e como instrumento para a educação e inserção no mundo com seus 400 milhões de falantes de português.
Helmut Schmidt dizia-me, há alguns anos, que o grande país que ia surgir na Ásia era a Índia, e não a China. Os ingleses tinham deixado na Índia o inglês, língua universal, e os chineses teriam que vencer a barreira da língua, com a dificuldade adicional dos ideogramas. A Índia tinha essa vantagem competitiva, que já pesava com os milhões de indianos falando inglês e ensinando em todo o mundo e com empregos disponíveis e facilitados em todo lugar.
O exemplo maior eram os "call centers", montados na Índia com preços baixíssimos e dominando os mercados, à frente o americano.
Aventurei-me a acrescentar outra dívida com os ingleses, a rede ferroviária gigantesca que eles, colonizadores, implantaram no vasto território indiano e que até hoje é a base de circulação da riqueza na região. A Índia tem hoje 81 mil quilômetros de ferrovias. Tinham eles à sua disposição o pioneirismo inglês dos caminhos de ferro, a fabricação de toda a linha técnica, desde a locomotiva, passando pelos trilhos, até a porca inglesa que aprisionava os usuários para sempre na conservação e na expansão das linhas.
O Brasil, inacreditável barreira na circulação da produção nacional, tinha 40 mil quilômetros há 40 anos e em vez de crescermos, regredimos para 29 mil. E, quando eu quis fazer a ferrovia Norte-Sul, foi uma reação brutal, principalmente dos setores paulistas, usufrutuários do modelo rodoviário que é o maior responsável pela poluição. Esse é um grande desafio.
Tivemos três presidentes com preocupação ferroviária. Eu, modéstia à parte, Geisel (ferrovia do Aço) e Lula. Dilma tem esse desafio pela frente na construção da estrutura e, ao que tudo indica, será uma presidente ferroviária. Afinal, independentemente da língua, as ferrovias são essenciais. Foi o trem o transporte do passado e será o do futuro.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br


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