São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A fama e a cama

RIO DE JANEIRO - Com a chegada do Carnaval, aumenta a oferta sexual no Rio, situado abaixo da linha do equador e vendido para o turismo interno e externo como a nova Gomorra ou como a antiga Babilônia, que os profetas da bíblia chamavam de "Grande Meretriz".
Natural que polícia, Justiça e imprensa fiquem escandalizadas e botem a boca no trombone chamando a atenção de si mesmas para aquilo que classificam de "escabrosidade", ou seja, o exercício da mais antiga profissão do mundo, para a qual nenhum ministério do Trabalho fixou a idade mínima, havendo apenas o natural limite da idade máxima.
Nos anos 80 do século passado, foi descoberta uma rede de prostituição infantil no Norte e Nordeste, meninas e meninos de oito anos vendidos a intermediários nacionais e internacionais. Fiz alguns textos sobre isso na revista em que trabalhava, e muitos outros jornalistas fizeram o mesmo. Em países onde a concentração de renda é considerada "obscena" por um presidente da República que acumulava a função de sociólogo, a escabrosidade, além de antiga, está sempre em expansão.
Quando Puccini fez "Madama Butterfly", história da menina de 15 anos que é comprada em Nagasaki por um oficial da Marinha norte-americana (o prazo de validade da compra era modesto, apenas 999 anos), Gustav Mahler, o deus que fazia chover na Viena daquela época, considerou a ópera imoral, indigna de ser encenada no santuário musical do qual era diretor. Bem verdade que, anos mais tarde, muita gente considerou imoral uma certa bomba que estourou na mesmíssima cidade, matando milhares de butterflies com menos idade .
É constrangedor passar à noite por certos pontos da orla do Rio. Na Paris da "belle époque", a oferta era farta também, e o "quarteirão dos prazeres", em Hamburgo, não ficava atrás. O Rio criou uma fama igual e, diz o ditado que, criada a fama, deita-se na cama.


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