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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Invasões bárbaras
SÃO PAULO - Não houve, nas últimas duas semanas, assunto capaz
de rivalizar com o "caso Isabella".
Mesmo quem quis se preservar
alheio ou distante acabou de alguma forma tragado pelo turbilhão do
noticiário: onipresente nas TVs e
nas rádios, freqüentou, na internet,
os primeiros lugares de qualquer
relação de notícias mais acessadas e
recebeu, de jornais e revistas, páginas e mais páginas diárias.
Estamos diante de um episódio
em que o interesse público tende a
ser nulo, mas que mobiliza no grau
máximo o interesse do público. E
não é simples definir onde termina
a demanda por informação e onde a
mídia começa a engendrar necessidades psicológicas e/ou sociais.
É claro, no caso desses programas parajornalísticos sustentados
horas a fio por locutores exaltados
e imagens exaustivas, que não se
trata mais de informar, mas de entreter o público a qualquer preço.
Trata-se, em suma, de alimentar e
eventualmente satisfazer curiosidades mórbidas ou taras socialmente toleradas, de estabelecer
com o espectador, por meio de truques espetaculosos, uma interação
de fundo lúdico, obviamente perversa, mantendo vivas nele a sede
de vingança e a sensação de que
amanhã sempre tem mais.
Mas seria fácil se pudéssemos
contrapor com clareza os abusos
dessa mídia apelativa e o nosso
bom senso. Não é assim. Existem,
sim, diferenças de procedimentos e
talvez de propósitos, mas seria necessário que nos detivéssemos um
pouco mais sobre as identidades.
Ou sobre o que nos torna -nós, os
"sensatos"- cúmplices ou protagonistas de ações bárbaras.
Crianças de quatro, cinco anos
são capazes de relatar em detalhes
a tragédia de Isabella. Com que recursos processam tamanha violência? Psicólogos nos dão conta de
que explodiram os casos de filhos
aterrorizados e pais atônitos ou
apreensivos com seus próprios limites. E se o casal suspeito e linchado for inocente? São danos irreparáveis e reflexões condenadas
diante de tanto som e tanta fúria.
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