São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2008

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RUY CASTRO

Motivo e pretexto

RIO DE JANEIRO - Uma enquete com 1.400 cientistas, realizada pela revista britânica "Nature", revelou que 20% dos membros das comunidades acadêmicas internacionais usam estimulantes para "aumentar a capacidade de concentração" e "melhorar o desempenho intelectual". O mais popular seria o metilfenidato Ritalin. Os ditos usuários não estariam preocupados com os efeitos indesejáveis desses medicamentos controlados.
Como se trata de cientistas, o uso de tais drogas já vem cercado de justificativas. Esse uso seria "instrumental" e destinar-se-ia apenas a permitir-lhes passar noites em claro na busca de soluções para problemas, esses, sim, relevantes. Supõe que os cientistas, pelo conhecimento adquirido, estariam infensos às conseqüências que afetam os mortais pelo abuso repetido, ou seja, dependência, loucura e morte.
Na verdade, muitos cientistas são chegados a estimulantes porque, podendo auto-receitar-se, têm fácil acesso a eles. Pelo mesmo motivo, há uma incidência de dependência de morfina entre médicos -apenas porque, na maioria dos casos, basta-lhes tirar a chave do bolso e abrir um armário para consegui-la.
Da mesma forma, é acima da média o grau de alcoolismo entre padres. O vinho da missa, que provoca apenas a possibilidade de úlcera ou diabetes em alguns, leva outros a formar hábito e a tomá-lo entre uma missa e outra ou o dia todo. E não é que os jornalistas tenham mais motivos para beber do que outras categorias -apenas saem tarde do serviço e, para desligar, passam no botequim antes de ir para casa. Com o tempo, alguns já ficam direto no botequim.
No começo, há sempre um motivo para se usar esta ou aquela droga. Instaurada a dependência, o motivo deixa de ter importância e se torna apenas um pretexto para se continuar usando a droga.


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