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CARLOS HEITOR CONY
O cavalo e o bufão
RIO DE JANEIRO - "Um cavalo! Um
cavalo! Meu reino por um cavalo!".
Lembro o personagem de Shakespeare porque, segundo o Evo Morales, a
Bolívia trocou parte de seu território
por um cavalo. Mais uma vez, o vencedor escreveu a história. Para os
brasileiros, o Acre foi uma jogada diplomática do barão do Rio Branco,
que dá nome à capital daquele Estado. Para os bolivianos, tudo se resumiu a um cavalo -fico pensando no
gênio boliviano que aceitou a troca.
Sabemos que a Bolívia é pobre, mas
não ignorante. Mesmo assim, certamente há bolivianos ignorantes, como em qualquer povo, inclusive no
Brasil. Lembro o que me contou amigo meu que foi promotor numa cidade onde bolivianos trabalham em fazendas perto da fronteira. Havia o
barracão que aceitava vales em troca
de comida. No fim do mês, na hora de
pagar, o patrão somava os vales para
descontar do salário deles.
A soma era assim: "25 mais 42,
mais 19, mais 11, mais 15, dá 22. E vão
dois". O patrão parava, olhava o operário e dizia: "E vão dois. Mas, como
você é muito bom, em vez de vão dois,
vou botar vão nove". Somando os vales do operário, o salário, que era
pouco, ficava miserável.
Trabalhadores brasileiros também
são empulhados da mesma forma ou
de forma equivalente. Não é exclusividade da Bolívia ter ignorantes que
aceitam um cavalo em troca de parte
de seu território. Muitos bolivianos, a
começar por seu presidente, acreditam na inacreditável troca, o que aumenta a convicção de que o Brasil,
quase pobretão como a Bolívia, na
fatia de poder sobre um vizinho mais
pobre, exerce a lei do cão, usando um
cavalo ou a Petrobras.
Nisso tudo, o que se pergunta é o
que Lula foi fazer em Foz do Iguaçu e
em Viena. Não pode fugir da alternativa: fez papel de bobo numa ou noutra reunião. E pior: bancou o bufão
satisfeito, ao contrário daquele bobo
do rei Lear (outra vez Shakespeare),
que era um bufão triste.
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