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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

No colo do Diabo

SÃO PAULO - Luiz Inácio Lula da Silva foi dormir nas nuvens, debatendo o futuro do país com Deus, e acordou no inferno, obrigado a negociar sua reforma na arena da política real, onde quem costuma reinar é o Diabo. O governo petista teve, enfim, de se render ao espetáculo da democracia. É uma pena que o tenha feito quase a contragosto, só depois que Maurício Corrêa lhe pôs a faca no pescoço, ameaçando degolar a grande obra no altar da Justiça. Até então, era o PT quem ameaçava cortar em praça pública cabeças de helenas e barnabés que lhe atrapalhavam a marcha. Vítimas de sua própria onipotência, Lula e o governo rifaram suas bases tradicionais e menosprezaram os Poderes da República em nome de uma reforma fiscalista, concebida como rito sumário para agradar ao mercado. A crise anunciada dos últimos dias, de desfecho ainda incerto, deixa o governo fragilizado e a bancada petista que lhe é fiel em situação complicada. Eram todos neobobos? Confrontada com um passado ainda próximo, a gestão petista é a incoerência em processo. Lula veste o boné do MST com uma mão e, com a outra, presenteia banqueiros com juros e lucros de mãe. A urgência obsessiva de sua agenda de reformas disfarça a ausência de um projeto efetivamente reformista, que este governo nunca teve e não tem. No poder, a esquerda segue atônita. A imagem que ocorre para defini-la é a do barão de Münchausen, que procurava sair desesperadamente do pântano em que estava atolado puxando os próprios cabelos.
 

A defesa infame das execuções em Cuba feita pelo embaixador Tilden Santiago, depois reparada de forma protocolar, soa ainda como perversão retórica quando o governo do qual é funcionário trata, também ele, de liquidar seus compromissos históricos com a esquerda -a democrática, bem entendido. Ao longo da história, a esquerda tem uma vertente progressista e outra que alinha com o obscurantismo. É a esta última que o embaixador brasileiro se curvou.


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