São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Galés e timoneiros
JORGE BOAVENTURA
O absurdo a que nos estamos referindo seria facilmente identificado ou, melhor, não teria conseguido se instalar não fora a desvinculação do nosso processo civilizatório das raízes judaico-cristãs, de que ele proveio. Desvinculação que foi ensejada pelo art. 6º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, segundo o qual "a lei é a expressão da vontade geral, manifestada diretamente ou por intermédio de representantes". E, mais adiante: "Ninguém será obrigado a fazer, ou a deixar de fazer, alguma coisa, a não ser em virtude de lei". Desprezava-se assim, deliberadamente, a advertência feita séculos antes por Cícero, que, em sua obra "De Legibus", assinalava: "Se admitirmos que todo o direito é o que se contém nas leis, estaremos conferindo aos legisladores a faculdade de transformar o bem em mal, a virtude em vício, a mentira em verdade e assim por diante". O pagão Cícero, portanto, vislumbrava a necessidade da existência de um direito natural, fundado em valores de natureza imutável e permanente. No caso da civilização a que pertencemos, ora em agonia, os que são inferíveis da lei mosaica, que não foi ab-rogada por Cristo, que lhe deu nova interpretação. Desprezava-se, também, a sugestão feita por Nicolau de Cusa. Dele, que merece ser considerado o mais sólido fundador da ciência moderna e que, logo após o Concílio de Florença, realizado no século 15, recomendava que as sociedades se organizassem como Repúblicas, comprometidas com o bem comum, com o direito natural e com o progresso dos conhecimentos humanos. O leitor, inteligente, já percebeu que a vinculação de tudo às leis elaboradas pelos que são guindados à posição de poder elaborá-las colocou-nos à mercê dos que dispõem dos meios necessários para compor a maioria dos mesmos. Estamos, assim, chegando aos que, de fato, empunham a cana do leme. Quem são eles? São os engendradores do "deus" mercado, cuja suprema sacerdotisa é a forma degradada do ideal democrático a que chamam democracia e, por motivos que esperamos estejam se tornando óbvios perante a inteligência do leitor, tentam impor a todos, até pela força, se necessário for. "Pelos frutos os conhecereis", porém, é a lição imortal cuja aplicação, no atual momento histórico, só comprova o que estamos oferecendo à análise do leitor. É ou não verdade que a corrupção, em todas as suas modalidades e aspectos, está tomando caráter epidêmico? É ou não verdade que os países ricos estão se tornando cada vez mais ricos e os países pobres cada vez mais pobres? Que os homens ricos estão se tornando cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres? Que a violência, em todos os seus aspectos, cada dia aumenta mais? Chegando ainda mais perto dos que empunham a cana do leme, o leitor sabe como é composto o famoso Fed? É composto por 12 bancos, todos particulares, formando uma junta presidida por alguém indicado pelo governo americano. No momento, a citada presidência é exercida pelo sr. Alan Greenspan, o qual tem sido nomeado e reconduzido por governos democratas e republicanos, o que justifica a dúvida sobre quem, de fato, nomeia quem... Então, a economia do planeta é influenciada, poderosamente, pelos acionistas majoritários de 12 bancos -todos particulares, repisamos-, os quais imprimem quantos dólares queiram, havendo quem admita que os atualmente em circulação correspondem a valor 60 vezes maior do que a soma dos PIBs de todos os países do mundo. E isso é apenas a pontinha do véu. Jorge Boaventura, 80, ensaísta e escritor, é conselheiro do Comando da Escola Superior de Guerra. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ramez Tebet: Excesso de medidas provisórias Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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