São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Unasul pode desempenhar papel relevante nas relações entre Colômbia e Venezuela?

SIM

Organização pode e deve mediar conflitos

SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA

É positivo o jogo de cena do imbróglio colombiano-venezuelano. Por ora, optou-se por não queimar as pontes, mesmo com as motivações maquiadas pelas conveniências do poder. Porém, desse mais recente capítulo-crise da realidade sul-americana emergiu uma inevitabilidade: não há como negar o papel central do Brasil, por qualquer ângulo que se aprecie o cenário.
Mas não há também como desconsiderar que o crescimento econômico do Brasil, independentemente de sua qualidade, atrairá para o seu espaço as aspirações dos povos das nações vizinhas.
Sem um desenvolvimento regional compartilhado segundo as respectivas vocações e identidades, será impossível evitar o encontro de desequilíbrios socioeconômicos exponencialmente ampliados à escala continental.
A integração sul-americana não é uma opção, é um imperativo.
A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) pode contribuir para a superação de conflitos na América do Sul simplesmente por atender a uma necessidade de integração confluente aos vários interesses regionais e se equilibra bem entre os extremos da imposição e da rejeição. Mas há condições para isso.
Menos um fato político do que um projeto promissor, o organismo proposto pelo Brasil tem que assumir o desafio de aprofundar o vínculo democrático neste tempo histórico em que velhos fantasmas ressurgem.
É difícil justificar e aceitar ações de quem suprime as regras de sucessão e dissenso democrático que lhes garantiram a ascensão ao poder. Não é apenas a ruptura institucional do golpe e a sua forma mais ou menos violenta que o condenam, mas particularmente o que dele resulta na supressão da democracia representativa entronizada no Estado de Direito.
Com ela, crises intermináveis se superam para reiterá-la. Fora dela, só existe o poder pela força que cinde a sociedade.
Assegurado esse consenso, por certo haverá ainda muito trabalho até que a Unasul cumpra o seu papel, a começar pela estruturação da defesa e segurança de maneira a esvaziar o componente militar de qualquer tensão local, enfrentar as ameaças comuns aos países da região e prevenir agressões externas.
O Brasil não pode se furtar a esse compromisso político, estratégico e operacional, e para tanto as suas políticas externa e de defesa têm que se confirmar como de Estado, assegurando continuidade e credibilidade à sua atuação.
A Unasul não só pode como deve mediar e solucionar o conflito entre Colômbia e Venezuela e mais os a ele subjacentes.
Urgência e oportunidade indicam que é o momento de fazer para se organizar, e não o contrário convencionalmente aceito.
Há experiências bem-sucedidas assimiladas em realidades distintas, boas tradições político-militares de missões de paz e principalmente um alinhamento estratégico no Cone Sul que pode perfeitamente inspirar outro mais amplo sul-americano.
Em certo momento de divergências no desenvolvimento dos trabalhos na Junta Interamericana de Defesa, um oficial boliviano não se furtou a externar sua conclusão sobre o relacionamento entre os colegas das nações sul-americanas, com algumas das quais o seu país tinha dificuldades não superadas: "Nossos ódios são fracos".
Se os ódios são fracos, não há por que reinventá-los. Caso faltassem à Unasul outras razões para existir, aí está uma para ela agir antes que eles surjam.


SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA é historiador. Foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA (Organização dos Estados Americanos) para assuntos de segurança hemisférica.

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