São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Ode à pipoca

RIO DE JANEIRO - Falarei hoje de Tertuliano. Não daquele frívolo peralta que foi um paspalhão desde fedelho, imortalizado no soneto de Arthur de Azevedo, mas do outro, o radical do cristianismo nascente, que seria santo e doutor da igreja se não tivesse descambado na velhice para a devassidão.
Tertuliano só descobriu o que era bom na vida quando chegou ao fim da própria -e aí devia ser tarde. Fez um roteiro às avessas de Agostinho, que foi devasso na mocidade e santo na velhice. "Fazei-me casto, Senhor, mas não agora!", pedia ele em suas orações.
Mas fico mesmo com Tertuliano, que só com a idade descobriu que pecar é bom. Isso me aproxima dele, embora eu tenha descoberto o encanto do pecado quando era criancinha. Contudo somente agora, com os invernos acumulados na alma e na carne suficientemente pecadora, descobri que comer pipoca é bom.
Passei uma vida inteira desprezando a pipoca. Quando via uma dessas carrocinhas na porta dos cinemas, passava longe para não embrulhar o estômago.
Eis que Natália, uma netinha que mora em Washington, veio passar uns dias aqui em casa e, numa noite dessas, fez pipoca no microondas. Um cheiro bom de manteiga tomou conta da casa, e ela veio oferecer uma tigela com pipocas enormes, brancas e perfumadas.
Eu estava vendo um documentário sobre a extinção das baleias e confesso que poucas vezes me chateei tanto, embora nada tenha contra as baleias. Mas as pipocas que Natália me ofereceu eram boas, excelentes. Mudei de canal e peguei o finzinho de uma comédia dos Três Patetas.
Também não gostava deles, mas combinaram bem e saboreei os quatro, os três patetas e a pipoca amanteigada. Daí que me lembrei de Tertuliano, que só com a idade descobriu as coisas boas da vida.


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