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CARLOS HEITOR CONY
Ode à pipoca
RIO DE JANEIRO - Falarei hoje de Tertuliano. Não daquele frívolo peralta que foi um paspalhão desde fedelho, imortalizado no soneto de Arthur de Azevedo, mas do outro, o radical do cristianismo nascente, que
seria santo e doutor da igreja se não
tivesse descambado na velhice para a
devassidão.
Tertuliano só descobriu o que era
bom na vida quando chegou ao fim
da própria -e aí devia ser tarde. Fez
um roteiro às avessas de Agostinho,
que foi devasso na mocidade e santo
na velhice. "Fazei-me casto, Senhor,
mas não agora!", pedia ele em suas
orações.
Mas fico mesmo com Tertuliano,
que só com a idade descobriu que pecar é bom. Isso me aproxima dele,
embora eu tenha descoberto o encanto do pecado quando era criancinha.
Contudo somente agora, com os invernos acumulados na alma e na carne suficientemente pecadora, descobri que comer pipoca é bom.
Passei uma vida inteira desprezando a pipoca. Quando via uma dessas
carrocinhas na porta dos cinemas,
passava longe para não embrulhar o
estômago.
Eis que Natália, uma netinha que
mora em Washington, veio passar
uns dias aqui em casa e, numa noite
dessas, fez pipoca no microondas.
Um cheiro bom de manteiga tomou
conta da casa, e ela veio oferecer uma
tigela com pipocas enormes, brancas
e perfumadas.
Eu estava vendo um documentário
sobre a extinção das baleias e confesso que poucas vezes me chateei tanto,
embora nada tenha contra as baleias. Mas as pipocas que Natália me
ofereceu eram boas, excelentes. Mudei de canal e peguei o finzinho de
uma comédia dos Três Patetas.
Também não gostava deles, mas
combinaram bem e saboreei os quatro, os três patetas e a pipoca amanteigada. Daí que me lembrei de Tertuliano, que só com a idade descobriu
as coisas boas da vida.
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