São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

O mercado e o acervo de FHC

OXFORD - À medida que Fernando Henrique Cardoso lia o texto de sua aula de ontem na mitológica Universidade britânica de Oxford, minha língua coçava para perguntar-lhe o que havia dado errado. Desde o primeiro momento de seu primeiro mandato, FHC defendeu, em palestras, entrevistas, cartas aos líderes das grandes potências, nos encontros bilaterais ou multilaterais, uma tese que, se fosse possível resumi-la, ficaria assim:
"Não há como ignorar o grau de exposição das administrações nacionais à desenvoltura praticamente absoluta das forças de mercado", frase que usou ontem em Oxford.
O que fazer, então? Criar "mecanismos efetivos de governança (democrática) em escala global", responde o próprio FHC.
Perfeito. O diabo é que, mesmo tendo um acesso aos líderes planetários possivelmente inédito em governantes brasileiros, a pregação de FHC deu em nada. Ou foi inconvincente ou foi impotente ou, o que talvez seja o mais provável, nem os líderes dos países ricos têm disposição para enfrentar a tal "desenvoltura absoluta das forças de mercado".
Claro que sempre haverá quem diga que, internamente, FHC pouco ou nada fez para opor-se a essa desenvoltura, mas não é o ponto.
O ponto é que o presidente transmite a seu sucessor uma herança complicada no plano interno, cujo encaminhamento depende também (alguns dirão que depende principalmente) do cenário internacional, sobre o qual Luiz Inácio Lula da Silva pode influir tanto quanto ou menos ainda do que FHC (porque o instinto básico de Lula é mais Brasil e menos internacional).
Não há mais o que FHC possa fazer nessa matéria, pelo menos como governante. Mas Lula poderia aproveitar o acervo do antecessor para mostrar que a reforma das instituições do planeta não é uma birra da esquerda, mas necessidade, porque a maioria é vítima da "desenvoltura das forças de mercado".


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