São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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CLONAGEM PARA O BEM

É um notável feito científico a clonagem de embriões humanos obtida por pesquisadores sul-coreanos. Os cientistas da Universidade Nacional de Seul não apenas conseguiram desenvolver ovos humanos por técnica de transferência nuclear (a mesma que criou a ovelha Dolly) até o estágio de blastocisto (conjunto de cerca de cem células) como também puderam extrair células-tronco desses embriões.
Outros grupos já reivindicaram ter clonado embriões humanos no passado. Essa, porém, é a primeira vez em que o feito foi devidamente comprovado por uma publicação científica de primeira linha (a norte-americana "Science") e em que os pesquisadores descrevem detalhadamente todos os seus passos.
Como é inevitável, a realização dos sul-coreanos reacende a polêmica em torno da clonagem humana, que, no Brasil, já está aquecida pela aprovação, na Câmara, de um texto que, se sancionado pelo Senado, proibirá todo tipo de clonagem humana no país, seja a reprodutiva (destinada a gerar um bebê), seja a terapêutica (com vistas a curar doenças).
Há praticamente um consenso mundial em torno, se não da proibição, ao menos de uma moratória para a clonagem reprodutiva. Criar um ser humano que seja uma cópia genética da pessoa que lhe cede a célula original não atende a nenhum interesse mais nobre da humanidade e ainda traz o risco, hoje ainda enorme, de criar aberrações. Entre animais clonados, é muito alto o índice de problemas de saúde tanto na gestação como após o nascimento. Se uma ovelha ou uma vaca surgem com graves más-formações, elas podem ser sacrificadas. Seres humanos, evidentemente, não o podem.
Mesmo que todos as dificuldades técnicas sejam resolvidas, o que não está no horizonte próximo, ainda assim parece altamente questionável permitir que se criem cópias genéticas de indivíduos atuais.
Muito diferente é o caso da clonagem terapêutica. Aqui nós não estamos falando em destruir ou em colocar em risco a saúde de indivíduos e nem mesmo de fetos. A clonagem terapêutica lida com blastocistos que nem chegam a ser implantados num útero. São, no máximo, vida em potência, não muito mais do que espermatozóides ou óvulos isolados.
E o benefício que a pesquisa com células-tronco embrionárias, que conservam a capacidade de converter-se em qualquer tipo de tecido, poderá trazer é considerável. Células-tronco são a grande esperança da medicina para, no futuro, curar doenças degenerativas, como diabetes e mal de Parkinson, e também para reparar órgãos e tecidos danificados por não importa qual etiologia. Melhor ainda, células-tronco clonadas do próprio paciente eliminariam o fenômeno da rejeição, que, apesar dos avanços na imunossupressão, ainda é um problema em vários tipos de transplantes.
O experimento dos sul-coreanos, ao mesmo tempo em que torna um pouco menos distante as promissoras possibilidades médicas colocadas pela clonagem terapêutica, também torna mais premente o risco de algum aventureiro lançar-se na clonagem reprodutiva. Daí a importância de criar urgentemente normas que regulem a pesquisa genética dentro de padrões éticos aceitáveis.



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