São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Soberania mutilada

RIO DE JANEIRO - Médico parente meu foi designado pelo presidente da República para integrar uma comissão na área da saúde que fará a transição entre o atual governo e o próximo. A tarefa principal da comissão é organizar a agenda dos três primeiros meses da nova administração. E, somente no setor da saúde, a agenda está lotada com reuniões, assinaturas de contratos aqui e no exterior, encontros com autoridades da OMS etc.
Multiplicando-se os setores (economia, trabalho, educação, obras e administração pública), restarão pouquíssimos dias ao novo presidente para começar a governar com a sua equipe e com as suas propostas. Terá de cumprir essa agenda inicial, que não foi feita por ele nem para ele.
Até aí, tudo bem. Trata-se da continuidade da administração pública, da máquina impessoal que se chama governo. Contudo, além dessa agenda residual do passado, haverá outra agenda mais ampla e fundamental, uma agenda que não está sendo feita aqui nem para aqui.
Com Alca ou sem Alca, o futuro imediato, o futuro que começará no próximo ano, dará poder executivo e operacional à globalização, que, até então, era um instinto, uma vocação da economia, e não uma expressão de poder.
Com Alca ou sem Alca, teremos a agenda nacional elaborada pelos interesses globalizados da economia mundial. Não adianta o nosso futuro presidente prometer duplicar a produção do petróleo, da soja, dos minérios. Ele terá de se limitar a fornecer as cotas a nós destinadas pela economia global e dentro dos preços estipulados pelos mercados consumidores.
Sobrará quase nada para o presidente agir. Ele será pautado e pautará o país dentro da agenda produzida pela economia globalizada, a cujo núcleo de decisão não teremos acesso. Continuaremos a ter direito ao nosso hino, à nossa bandeira e à legislação miúda de uma soberania mutilada.


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