São Paulo, quarta-feira, 15 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A questão da auto-estima

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Em reunião realizada em Lisboa no primeiro semestre, ocasião em que estavam reunidos representantes de diferentes países ibero-americanos, avaliamos a situação econômica, política e social de cada um deles. Foram apresentações sintéticas e muito objetivas. Despertou minha atenção o fato de que a visão externa sobre a situação brasileira, em termos comparativos, tinha uma apreciação melhor do que a que aqui fazemos.
Outro aspecto curioso foi o comentário de um respeitado líder empresarial português, que já ocupou importante posição governamental, sobre o que denominou baixa auto-estima portuguesa (vale lembrar que esse evento aconteceu antes da Eurocopa). Como eu, outros escribas têm constantemente feito referência a esse assunto quando analisam a personalidade brasileira. Fascinou-me sua apreciação, pois identificava algo mais em comum entre Brasil e Portugal, e quem sabe encontrava as raízes do nosso próprio comportamento.


Sobra ou falta estima? Eis uma boa discussão para nossas elites acadêmicas e empresariais


Pois muito bem, dias depois do encontro, leio em um jornal de Lisboa ("Público") uma interessante matéria, com o título "Se há alguma coisa de que nós precisamos é de menos auto-estima". O articulista, Nuno Sá Lourenço, referindo-se à campanha publicitária independente "Portugal Positivo", lançada pela sociedade civil, fazia referência à palestra de um historiador, Vasco Pulido Valente. Convidado a dar uma visão histórica e sociológica sobre o tema, conduziu seus comentários exatamente no sentido oposto. Registrou que "os portugueses têm auto-estima a mais. Isso porque, apesar de se verem como atrasados, embora andem a 200 anos a tentar imitar outros países europeus, nunca se consideraram culpados do atraso português. Começou por ser dos jesuítas, passou para os absolutistas, chegou aos comunistas, sobrou para os fascistas e acabou nos políticos".
Acrescentou depois que o problema de Portugal era o "fracasso da imitação". Como as tentativas de modernização não funcionavam, surgia a "obsessão" com o recomeço. Lembrou que cada governo e cada regime tentava sempre começar do zero.
Foi então que chegou a vez de analisar a iniciativa para a qual tinha sido convidado. Catalogou-a como "muito típica" e explicou por que. A expressão "Portugal Positivo" era um "coloquialismo americano", ou seja, mais um modelo encontrado "lá fora"...
Recentemente, no Brasil, foi lançada a campanha para "resgatar a auto-estima do brasileiro". Lançada pela Associação Brasileira de Anunciantes, com forte apoio do governo. Volta e meia o presidente Lula tem se referido ao tema, em diferentes ocasiões e pronunciamentos, como também fizeram outros participantes de governos anteriores.
Num livro que recentemente li, editado pela Edusp, de autoria de Fátima Marti Rodrigues Ferreira Antunes, "Com Brasileiro Não Há Quem Possa", é feita uma análise da identidade nacional através do futebol. Sempre analisei o futebol como um elemento de extrema importância na construção do significado de ser brasileiro. É importante laboratório, no qual, em uma escala menor, podemos avaliar nosso comportamento e nossas paixões. É famosa, por exemplo, a frase de Nelson Rodrigues de que personificamos o "narciso às avessas".
Há momentos em que nos sentimos ungidos pelos deuses e que ninguém segura este país. Em outros momentos, somos tomados por total apatia, uma onda de pessimismo predomina e não vemos futuro em nada.
Agora mesmo, na Olimpíada de Atenas, tivemos mais uma demonstração desse comportamento: julgamos muito satisfatórios os resultados que lá obtivemos, sem nos darmos conta de que o investimento foi altíssimo e desproporcional ao que alcançamos. Falamos das injustiças e de não termos obtido melhores resultados por "falta de sorte". Será também um caso de excesso de auto-estima?
Voltemos a Portugal. Será que temos algo em comum? Sobra ou falta estima?
Eis uma boa discussão para nossos sociólogos, historiadores, psicólogos, elites acadêmicas e empresariais.

Roberto Teixeira da Costa, 69, economista, é sócio-fundador da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais e fundador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). Foi presidente do Conselho de Empresários da América Latina (1998-2000).


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