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CARLOS HEITOR CONY
Considerações sobre o trigo
RIO DE JANEIRO - A pátria, segundo Rui Barbosa, é a família amplificada.
Aceitando a definição, a família seria
o indivíduo amplificado. Não mais se
cita Rui Barbosa como antigamente,
mas, vez por outra, ele é lembrado,
sobretudo com aquela famosa dissertação sobre a decadência de usos e
costumes: de tanto ver desprezadas a
moral, a justiça, a dignidade etc. etc.,
o homem deixa de crer na moral, na
justiça, na dignidade etc. etc.
Fazendo uma elipse mais ou menos
lógica, deve-se concluir que a pátria é
a amplificação do indivíduo. Uma
frase badalada durante o regime totalitário (1964-1985) garantia que o
Brasil era feito por nós, ficando meio
obscuro se esse "nós" se referia ao
equivalente "nosotros" do espanhol
ou se eram nós -uma sucessão de
atropelos, dificuldades, becos sem
saída.
Daí que nunca entendi direito
aquela distinção dos Evangelhos segundo a qual deve-se separar o joio
do trigo, ou vice-versa. Para falar a
verdade, sei mais ou menos o que é
trigo -dele me alimento e com algum esforço sou capaz de diferenciar
um trigal de uma floresta de eucaliptos. Mas, que me lembre, nunca vi
um joio. Tenho a impressão de que
deve ser alguma erva daninha ou
inútil. Boa coisa não deve ser para ter
merecido a condenação evangélica e
o repúdio generalizado que anda por
aí.
Minhas referências agrárias só se
tornam maiores diante de minhas referências políticas, que são realmente
escassas e lerdas. Sempre foi difícil,
para mim, estabelecer o que é joio e o
que é trigo. Tirante a supressão da liberdade de pensamento, que ocorre
nos regimes totalitários e da qual não
pretendo abrir mão, o resto deixo para os outros, que devem saber o que é
joio e o que é trigo.
A cara do Severino, já o disse aqui, é
a cara do Brasil. O Brasil de verdade,
feito por nós ou por "nós". Se somos
joio ou trigo, fica a critério de nossa
pretensão. Ou da má informação.
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