São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Terror e chantagem

CARLOS DE MEIRA MATTOS

"O objetivo do terrorismo é ativar as represálias, atiçar as revoltas, provocar uma sucessão de atentados, criar uma espiral de violência. Não reconhece nenhum código -código militar, código de honra ou código humanitário" (revista "Actualité de Histoire", Paris, janeiro de 2004).
O terrorismo internacional, hoje extensa rede comandada pela seita Al Qaeda, dirigida por Bin Laden, ou sob sua inspiração, passou a utilizar contra os países e organizações que elege como inimigos o mais diabólico e desumano instrumento de ação: o refém como objeto de chantagem. Segundo o papa João Paulo 2º, é "a inconcebível brutalidade de utilizar o ser humano como mercadoria".
Feita a captura, começa o espetáculo satânico. O refém ou os reféns são exibidos na TV (fazem chegar às emissoras suas fitas clandestinas) amarrados, acorrentados ou enjaulados e ameaçados por um grupo de terroristas encapuçados, portando armas de fogo e um facão destinado à degola.
Em seguida vem a chantagem -a exigência de um resgate quase impossível de ser atendido (retirada de forças de ocupação do Iraque; retirada de empresas e associações trabalhando na reconstrução do país e no atendimento assistencial ao povo iraquiano; libertação de prisioneiros; indenizações financeiras absurdas). O prazo para o "pagamento" do resgate é curtíssimo, quase sempre poucos dias. Se não for atendido, os reféns são degolados.
Vários reféns foram degolados, sendo a cena da degola exibida na televisão, num espetáculo de horripilante crueldade. Entre as vítimas com a cabeça extraída a facão e todos os detalhes da carnificina filmados e mostrados, inclusive seus gritos de dor, encontram-se cidadãos norte-americanos, ingleses, turcos, espanhóis e nepaleses.


O uso do seqüestro veio se somar ao imenso arsenal de formas de agressão que inunda o território iraquiano


O efeito desse bem montado cenário da ameaça macabra da execução do refém visa provocar enorme comoção, particularmente no país da vítima. Tremendas pressões coletivas de familiares e da população colocam os governos em dificílima opção decisória -ou se desmoralizam, dobrando-se à chantagem, ou serão acusados de impiedosos, indiferentes à morte de seus compatriotas inocentes.
Até o momento alguns governos já cederam, retirando suas tropas e organizações do território iraquiano, e salvando reféns. Outros não se submeteram à chantagem e foram obrigados a assistir o assassinato de seus governados.
O uso mais recente dessa tática do seqüestro veio se somar ao imenso arsenal de formas de agressão que inunda o território iraquiano -terroristas suicidas, morteiros, foguetes, bombas rudimentares, pequenas e médias armas de fogo, granadas de mão, minas terrestres. Uma estatística recente conta cerca de 3.500 ataques de terroristas ocorridos nos últimos 30 dias em todo o país.
O próximo presidente dos Estados Unidos, seja ele Bush ou Kerry, terá diante de si como maior problema o complexo e diabólico cenário atual do terrorismo. Esse é o tema mais agudo que está sendo discutido na calorosa campanha eleitoral que vivem agora os norte-americanos. O presidente Bush e seus principais assessores republicanos -Cheney, Rumsfeld e Condoleeza Rice- são veementemente acusados pelos erros que teriam cometido, quer invadindo o Iraque baseados em justificativas não comprovadas, quer pela má condução política e militar do país neste período pós-invasão. Esses erros seriam a causa principal da expansão do terrorismo.
Essas acusações pelos fatos passados, na verdade, pouca importância terão para o próximo presidente eleito. Não importa criticar erros na condução política e estratégica do governo dos Estados Unidos após os fatídicos atentados de 11 de setembro de 2001. O quadro dantesco atual em que se encontra o Iraque será o desafio maior -e o mesmo desafio para qualquer um que seja eleito. Exigirá uma solução pacificadora, uma contenção da carnificina humana, a superação desse horror que aí está.
Esse o gigantesco desafio para Bush ou Kerry.

Carlos de Meira Mattos, 91, general reformado do Exército e doutor em ciência política, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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