São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 2005

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FORMAÇÃO MÉDICA

Afirmar que más escolas tendem a formar maus profissionais é um truísmo. Ainda assim, um interessante estudo patrocinado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) praticamente demonstra que o descontrole sobre a criação e a manutenção de escolas médicas está comprometendo a qualidade do atendimento à população.
Segundo o trabalho, a taxa de denúncias contra médicos formados nas faculdades com as piores notas no último exame de alunos foi mais do que o dobro da registrada para as instituições mais bem avaliadas. Com efeito, em duas escolas que receberam nota 3, a pior do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, realizado em 2004, o índice de denúncias por cada grupo de 100 mil médicos em atividade por ano foi de 1.680. Nas faculdades que obtiveram nota 5, essa taxa cai para 821.
É claro que nem toda denúncia apresentada se revela procedente. E nem toda falha de um médico tem origem em deficiências de formação. Muitos dos processos éticos abertos no Conselho dizem respeito a problemas de conduta, como abandono de paciente e assédio sexual.
Ainda assim, a diferença de 100% no índice das piores quando comparado ao das melhores é altamente sugestiva. A preocupação do poder público aqui deve ser com a saúde da população, que não pode ficar à mercê de arapucas que despejam hordas crescentes de maus profissionais no mercado. É dever do Estado zelar pela formação de médicos que, ao concluir o curso, recebem o aval do Ministério da Educação para atuar.
Nesse contexto, tornam-se especialmente preocupantes os dados relativos à abertura de novas faculdades de medicina. Do início do século 19 até 1999, apenas 96 escolas de medicina surgiram no país. De 2000 para cá, porém, foram abertos quase 50 novos cursos, boa parte dos quais sem infra-estrutura adequada para a aprendizagem. Em São Paulo, o Cremesp estima que sejam inadequados 50% dos 229 serviços de saúde utilizados como local de ensino por 23 das 29 faculdades do Estado.
Para agravar o quadro, o país não precisa de tantos médicos. A Organização Mundial da Saúde recomenda que exista um médico para cada mil habitantes. O Brasil conta hoje com um profissional para cada grupo de cerca de 700 pessoas.
O problema são os desequilíbrios regionais. Enquanto no Estado do Rio de Janeiro existe um médico para cada 284 habitantes, no Pará o índice é de 1.220. Parece mais lógico -e menos dispendioso- tentar resolver o problema oferecendo salários e condições de trabalho atraentes nas áreas onde há carência do que aumentar o número de profissionais até criar uma superoferta. Essa estratégia tende a ser mais grave quando se verifica que o controle sobre a qualidade dos cursos é precário.
A situação é crítica e constitui ameaça potencial à saúde pública. Como o Estado vem se mostrando incapaz de controlar o problema, parece cada vez mais inevitável que os Conselhos adotem provas de qualificação e só aceitem como médicos os bacharéis que demonstrem ter condições técnicas para tal.


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