São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

A incompreensão americana

Desde março de 2002, o governo dos Estados Unidos restringiu a importação de aço de vários países (inclusive o Brasil) através da elevação de cotas e de tarifas aduaneiras. Nem assim os produtores americanos ficaram satisfeitos.
No relatório do setor siderúrgico deste final de ano, o "American Iron and Steel Institute" sai com o seguinte disparate: "As medidas tomadas pelo presidente George W. Bush não foram suficientes. Cotas e tarifas não conseguiram espantar as importações, que, em 2002, foram mais altas do que em 2001. A crise do aço dos Estados Unidos só será resolvida pela eliminação do excesso de oferta do produto no resto do mundo" ("Perspective: American Steel & Domestic Manufacturing", AISI, Washington, 2002).
Essa é uma posição absurda para quem diz ser favorável a um comércio internacional praticado com lealdade. O instituto afirma que as siderúrgicas americanas são as mais eficientes do planeta, produzem o melhor aço do mercado e têm o menor custo de produção.
Para medir eficiência, o instituto gosta de usar a medida de eficiência do trabalho (toneladas produzidas pela força de trabalho). Para começar, essa não é a única medida de eficiência. Mesmo assim, as empresas americanas estão praticamente empatadas com empresas de outras 17 nações, uma das quais é o Brasil.
A posição brasileira foi alcançada depois de muito esforço e de muito talento dos produtores e de muito empenho dos trabalhadores brasileiros. O Brasil possui fatores que lhe dão uma vantagem intrínseca (matérias-primas), que, por sua vez, foi fortalecida com a melhoria da gestão e das tecnologias.
Cerca de 80% das aciarias brasileiras usam o processo de oxigênio, e apenas 20%, o processo elétrico, o que permite uma produção altamente competitiva. No processo de lingotamento (fundição), cerca de 95% da produção brasileira é feita através do processo contínuo e apenas 5% pelo antigo processo de lingotamento individual. Aqui também os ganhos de produtividade do Brasil são enormes.
É esse o país que os americanos querem eliminar do mercado siderúrgico? Com base em que argumentos?
No fundo eles não têm argumentos -nem muito menos razão- para perseguir um país como o Brasil, que se dedica a aperfeiçoar processos, a reduzir custos, a melhorar a qualidade e a prover cerca de 65 mil empregos diretos, que, na siderurgia, mantêm centenas de milhares de empregos indiretos.
Na ausência de motivos, os americanos levaram a Organização Mundial do Comércio a rever decisão anterior que considerou o Brasil como um "player" leal no comércio do aço. A revisão será feita com base em supostas ajudas governamentais que as siderúrgicas privatizadas estariam recebendo do governo brasileiro. Se a tese vingar, as ex-estatais serão supertaxadas, e os americanos estarão pondo em prática o seu plano de aniquilamento das siderúrgicas do mundo. Isso não pode acontecer. O governo tem de jogar duro na OMC.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Gabriela Wolthers: Um lapso de três anos
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.