São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Popular e nacional?

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

O governo Lula não será a refundação do país, como alguns pretendem, nem será a mera continuação do atual governo, como outros ansiosamente desejam. O mais provável é que signifique o restabelecimento de um pacto político popular nacional no Brasil; uma aliança entre trabalhadores, empresários nacionais e classe média profissional em torno de um programa de desenvolvimento com ativa participação do movimento sindical e de movimentos sociais de pobres.
Não será uma refundação do país porque o Brasil não precisa de revolução, mas de reforma. Precisa alcançar a estabilidade macroeconômica, retomar o desenvolvimento e aprofundar seu sistema democrático com um programa social que reduza a desigualdade.
Ao examinarmos a história do Brasil desde os anos 30, quando iniciou sua revolução nacional e capitalista, percebemos que se caracteriza por uma sucessão de pactos políticos que envolvem as três classes básicas das sociedades capitalistas modernas: burguesia, classe média profissional e classe trabalhadora.
Dentro de cada uma delas existem divisões e subdivisões, mas, se nos limitarmos a essas três classes e a três dicotomias -popular/burocrático, nacional/cosmopolita e democrático/autoritário-, perceberemos que, no plano social, alguns pactos foram mais e outros menos excludentes, alguns mais e outros menos nacionalistas, alguns mais e outros menos democráticos.
A tabela nesta página faz um resumo desses pactos. Todos eles contam com a presença dos empresários e da classe média profissional, ainda que com diferentes graus de envolvimento. Mas só alguns incluem os trabalhadores.
Os pactos que têm o adjetivo "popular" envolvem, de alguma maneira, a participação mais ativa dos trabalhadores ou mesmo das massas pobres. O pacto popular nacional de Vargas foi o primeiro momento na história brasileira em que essa participação ocorreu, ainda que de forma limitada. Durou até o fim do governo Kubitschek.
O segundo pacto popular, o pacto democrático popular de 1977, regeu a transição democrática e alcançou seu auge nas Diretas-Já. Agora tudo indica que está se formando um terceiro.
Temos três crises políticas, duas explicitadas no quadro e a terceira correspondente ao pacto democrático popular, que começa com o "pacote de abril", de Geisel, em 1977, quando tem início a crise do pacto burocrático autoritário, e termina com o fracasso do Plano Cruzado, no final de 1986.
Os pactos populares tendem a ser também nacionais. Isso não significa que o governo adote um nacionalismo xenófobo, mas que faça o mesmo que os governos dos países desenvolvidos: defenda o capital e o trabalho nacionais. Alianças entre empresários, principalmente industriais, e trabalhadores tendem a ter essa característica à medida que os interesses dos dois grupos coincidem em torno de um programa de aumento da produtividade e dos salários.
Quando, porém, os setores rentistas da classe capitalista, em vez dos empresariais, ganham dominância, uma aliança dessa natureza torna-se impraticável. Igualmente, quando a burocracia profissional ganha poder, uma aliança de caráter popular torna-se difícil.
Embora todos os pactos tenham contado com a participação da classe média profissional ou burocrática, somente em dois essa participação foi suficientemente destacada. Depois do colapso do regime autoritário de 1964, todos os pactos políticos foram democráticos. Uso essa palavra só para o pacto de 1977-86 porque foi o que levou à transição para a democracia.
Apenas o pacto de 1990-2002 foi liberal. Marcou uma reação necessária contra os excessos do desenvolvimentismo substituidor de importações. Entretanto, embora social, não foi um pacto popular, mas burocrático liberal. Nele os avanços sociais foram grandes, mas ocorreram mais como consequência de uma ação "esclarecida" da classe média profissional do que como resultado da participação do povo. Apesar do êxito em estabilizar os preços, esse pacto terminou mais cedo do que se esperava, pois foi incapaz de incorporar as massas pobres. A liberalização não teve um caráter nacional, refletindo antes o consenso de elites desorientadas, e não trouxe aumentos dos salários e do emprego, sem os quais nenhum pacto político se sustenta em uma democracia.
Com as eleições de 2002, tudo indica que um novo pacto está surgindo, unindo trabalhadores, empresários e classes médias. Será, logo, um pacto popular.
Será um pacto nacional, priorizando o trabalho e o capital nacional? A princípio, a resposta parece afirmativa, embora haja o risco de, nesse esforço, avanços liberais importantes retrocederem.
Seu êxito está assegurado?
Tudo depende de como enfrentará dois problemas macroeconômicos fundamentais: o ajuste fiscal, que precisa ser aprofundado, e a equação taxa de câmbio/taxa de juros, que deve ser invertida -em vez de juro alto e câmbio baixo, a condição para a estabilização das contas externas e da retomada do desenvolvimento é juro baixo e câmbio alto. A tentação populista de voltar a valorizar a taxa de câmbio será grande, mas o país está maduro o suficiente para saber resistir a ela.


Luiz Carlos Bresser Pereira, 68, é professor de economia da Fundação Getúlio Vagas de São Paulo. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney).

bresserpereira@uol.com.br



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