São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A casa do diálogo social

JACQUES DERMAGNE

O Conselho Econômico e Social que conhecemos hoje na França foi instituído pela Constituição de 1946, depois pela Constituição de 1958, elaborada pelo general De Gaulle. Ele tem a missão de aconselhar o governo, seja tomando livremente a iniciativa de analisar dossiês, seja por solicitação do primeiro-ministro, em nome do governo.
O processo de adoção de seus pareceres garante um lugar essencial ao diálogo democrático entre seus membros. Com efeito, o conselho estabelece, por meio de suas dez seções temáticas, um "projeto de parecer", redigido por um relator eleito. O projeto de parecer contém propostas do conselho sobre o assunto analisado. Eventualmente, ele é precedido de um relatório que apresenta um balanço completo do tema tratado. Votado em seção, o projeto é, em seguida, adotado pela assembléia plena do conselho, após um debate público e emendas, o mais das vezes em presença de um membro do governo. O parecer votado é encaminhado ao primeiro-ministro e ao presidente da República.
O Conselho tem uma função consultiva; o governo permanece, portanto, livre para adotar ou não suas propostas.
Para estar em condições de fornecer, legitimamente, conselhos que não sejam reflexo das diversas sensibilidades e opções políticas, o Conselho Econômico e Social é composto de 231 membros representantes das grandes categorias socioprofissionais, oferecendo a melhor representação possível da nação.
Trata-se de assalariados, representados por suas confederações sindicais; empregadores, por intermédio de suas organizações profissionais, proprietários agrícolas, profissionais liberais, artesãos e outros; e também pelas estruturas da vida associativa. Esses três grupos corporativos, distribuídos de maneira mais ou menos igual, são compostos de homens e mulheres designados por sua organização de origem.
Paralelamente a essa representação socioprofissional, a Constituição previu que se reservasse ao governo a nomeação de 40 "personalidades qualificadas". Estas são, na realidade, especialistas de grande qualidade que adquiriram uma verdadeira excelência nas áreas econômica, social e cultural.
Cabe lembrar que, diferentemente das assembléias, onde a regra do jogo consiste em negar a idéia do outro para substituí-la pela sua, no CES a atitude, seja qual for a tendência política do conselheiro, é sistematicamente ouvir o outro. A preocupação é inscrever a sua convicção e os interesses a serem defendidos no prolongamento e no acompanhamento da idéia do outro.


Para assegurar a democracia é preciso que os que a vivem estejam em condições de tornar clara a decisão pública


É impossível encontrar um único conselheiro econômico e social que não esteja impregnado desse senso da escuta e dessa vontade ardente de tudo fazer para que os homens se encontrem e se entendam. Quando eles se ouvem, entendem-se. Quando se entendem, eles têm todas as chances de se compreender.
O papel de "conselheiro" do governo gera um trabalho pedagógico forte em direção à nação. Através da mediação pelos grupos constituintes, os pareceres do conselho permitem que os cidadãos tenham informações mais aprofundadas das questões tratadas pelo mesmo.
Cabe salientar também que o Conselho Econômico e Social tem uma importante atuação em nível internacional. Em 1989, quando caiu o muro de Berlim, havia no mundo dez CES. Hoje existem 50, concebidos muitas vezes com base no modelo francês. Todos os países do Leste Europeu, toda a África francófona, inúmeros países da América do Sul, um certo número de países do Extremo Oriente -entre os quais a China- incluíram entre as suas instituições um CES inspirado, de uma forma ou de outra, nos da Europa latina, encarregados das mesmas missões.
Os CES que existem hoje estão reunidos em uma associação mundial atualmente presidida pela Argélia e da qual a França assume a Secretaria Geral, em Paris. Essa situação nos dá a capacidade de acelerar e amplificar o progresso social em inúmeros países.
É apoiando-se na organização da cidade, ou seja, nas diferentes corporações profissionais e nas associações, é encontrando o equilíbrio social que permite "colar na realidade" que temos a oportunidade de instalar a democracia social, permanecendo realistas, mais do que seguindo a qualquer preço a linha política pela qual fomos eleitos.
Para assegurar a democracia, no sentido gramatical do termo, é preciso que os que a vivem estejam em condições de tornar clara a decisão pública. Daí a importância da existência de grandes instituições que permitam, dentro do respeito às diferentes sensibilidades, expressar esse aspecto econômico e social da vida e da cidade. Em nosso país, é o Conselho Econômico e Social. Ele reúne personalidades pelo que elas fazem, e não pelo que pensam. É o lugar onde deve estar ancorada a democracia social. É a casa do diálogo social, aquela onde são esboçadas as grandes negociações sociais.

Jacques Dermagne, 65, bacharel em direito, é presidente do Conselho Econômico e Social da França.


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