São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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É hora de o Brasil modificar sua política externa para a América do Sul?

NÃO

Uma política à altura dos desafios

JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA

A AMÉRICA do Sul é e seguirá sendo área de grande interesse do Brasil. A política em curso para a região é congruente com o interesse nacional, o acumulado histórico da diplomacia brasileira e os desafios do momento. Essa é uma área de Estado que não merece reformulação contundente. Três razões alinham o argumento.
Em primeiro lugar, a América do Sul não é objeto obscuro de desejo de linhagens políticas que se revezem no poder. Nem é objeto descartável quando deixa de freqüentar o coração do processo decisório nacional. Cuidar da fronteira ocidental do Brasil é necessidade prática e objetiva, além de decorrer dos valores da integração, consagrados no texto constitucional.
É matéria de Estado e merece a noção de projeto estratégico de longo prazo.
Um país com tantas fronteiras territoriais em convívio de paz e cooperação é um ganho histórico dos antepassados a preservar no presente.
As fronteiras jamais são fáceis, em nenhum lugar do globo, como ensinamos aos alunos das gerações que formamos em nossas universidades e nos livros publicados.
O Brasil, ao adensar presença econômica na América do Sul por meios múltiplos -da internacionalização das empresas aos investimentos produtivos e à exportação de produtos com valor agregado, todos fatores nucleares ao entendimento da celebrada folga cambial e redução de vulnerabilidade externa-, não esperava colher apenas louros e palmas dos vizinhos. Há tensões no front. Há choques de interesses, valores e idéias.
O Brasil, no entanto, confere tratamento construtivo aos problemas que emergem das fricções. O país é prudente porque não sufoca vizinhos em momentos de dificuldades internas. E é construtivo porque propõe arranjo horizontal de interesses comuns, especialmente no campo da recuperação social dos órfãos das reformas liberais dos anos 1990 na região.
Em segundo lugar, a presença ampliada do Brasil na América do Sul tem trazido certa pedagogia. O mundo muda rápido, há acelerações de velocidades no plano da economia política global e há a hipótese de a América do Sul, ao contrário da Europa ou da Ásia indo-chinesa, se tornar mero segmento indiferenciado do mercado internacional, sem soberania política e capacidade decisória própria.
O Brasil oferece, com animação, o cardápio da integração, não como uma panacéia, mas como um instrumento útil à formação de uma região diferenciada, com peso econômico e político no mapa mundial para a futura história do século 21.
O projeto de integração proposto pelo Brasil é apetitoso em duas direções. Primeiro, ao demonstrar que a única via preferencial da integração regional é a do desenvolvimento das capacidades comparadas tecnológicas, produtivas, de base industrial e competitiva internacionalmente, e não a via liberal e primária. Segundo, ao reforçar a idéia de capacidade decisória regional por meio da colocação em marcha de ativismo diplomático que mobiliza interesses econômicos e sociais em torno da busca de consenso mínimo, mas essencial: isolados e divididos, os países da América do Sul não possuem massa crítica para interferir na construção de normas, padrões e regimes internacionais.
Por fim, uma terceira grande área de ganho na política exterior do Brasil para seus vizinhos: o país vem se fazendo interlocutor natural para todos os temas e dificuldades da região.
A nova presidente da Argentina sabe que a via do acoplamento da economia argentina à brasileira é a única saída para os gargalos de crescimento e sustentabilidade econômica que enfrentará nos próximos anos. O presidente da Venezuela também sabe que tem no Brasil uma última reserva de confiança, mas não infinita, para seus gestos. E sabem todos, sociedades nacionais e governos andinos e amazônicos de países vizinhos, que a integração estruturante da América do Sul passa pelas relações no eixo Buenos Aires-Brasília-Caracas.
A integração do norte da América do Sul ao eixo platino é também obra de Estado, não de governos que passam, mas com avanços inequívocos do governo atual.


JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA, 47, doutor em história pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), é professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília). É autor, entre outras obras, de "Relações Internacionais - Dois Séculos de História".

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