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É hora de o Brasil modificar sua política externa para a América do Sul?
NÃO
Uma política à altura dos desafios
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA
A AMÉRICA do Sul é e seguirá
sendo área de grande interesse
do Brasil. A política em curso
para a região é congruente com o interesse nacional, o acumulado histórico da diplomacia brasileira e os desafios do momento. Essa é uma área
de Estado que não merece reformulação contundente. Três razões alinham o argumento.
Em primeiro lugar, a América do
Sul não é objeto obscuro de desejo de
linhagens políticas que se revezem no
poder. Nem é objeto descartável
quando deixa de freqüentar o coração
do processo decisório nacional. Cuidar da fronteira ocidental do Brasil é
necessidade prática e objetiva, além
de decorrer dos valores da integração,
consagrados no texto constitucional.
É matéria de Estado e merece a noção
de projeto estratégico de longo prazo.
Um país com tantas fronteiras territoriais em convívio de paz e cooperação é um ganho histórico dos antepassados a preservar no presente.
As fronteiras jamais são fáceis, em
nenhum lugar do globo, como ensinamos aos alunos das gerações que formamos em nossas universidades e
nos livros publicados.
O Brasil, ao adensar presença econômica na América do Sul por meios
múltiplos -da internacionalização
das empresas aos investimentos produtivos e à exportação de produtos
com valor agregado, todos fatores nucleares ao entendimento da celebrada folga cambial e redução de vulnerabilidade externa-, não esperava
colher apenas louros e palmas dos vizinhos. Há tensões no front. Há choques de interesses, valores e idéias.
O Brasil, no entanto, confere tratamento construtivo aos problemas
que emergem das fricções. O país é
prudente porque não sufoca vizinhos
em momentos de dificuldades internas. E é construtivo porque propõe
arranjo horizontal de interesses comuns, especialmente no campo da recuperação social dos órfãos das reformas liberais dos anos 1990 na região.
Em segundo lugar, a presença ampliada do Brasil na América do Sul
tem trazido certa pedagogia. O mundo muda rápido, há acelerações de velocidades no plano da economia política global e há a hipótese de a América do Sul, ao contrário da Europa ou
da Ásia indo-chinesa, se tornar mero
segmento indiferenciado do mercado
internacional, sem soberania política
e capacidade decisória própria.
O Brasil oferece, com animação, o
cardápio da integração, não como
uma panacéia, mas como um instrumento útil à formação de uma região
diferenciada, com peso econômico e
político no mapa mundial para a futura história do século 21.
O projeto de integração proposto
pelo Brasil é apetitoso em duas direções. Primeiro, ao demonstrar que a
única via preferencial da integração
regional é a do desenvolvimento das
capacidades comparadas tecnológicas, produtivas, de base industrial e
competitiva internacionalmente, e
não a via liberal e primária. Segundo,
ao reforçar a idéia de capacidade decisória regional por meio da colocação
em marcha de ativismo diplomático
que mobiliza interesses econômicos e
sociais em torno da busca de consenso mínimo, mas essencial: isolados e
divididos, os países da América do Sul
não possuem massa crítica para interferir na construção de normas, padrões e regimes internacionais.
Por fim, uma terceira grande área
de ganho na política exterior do Brasil
para seus vizinhos: o país vem se fazendo interlocutor natural para todos
os temas e dificuldades da região.
A nova presidente da Argentina sabe que a via do acoplamento da economia argentina à brasileira é a única
saída para os gargalos de crescimento
e sustentabilidade econômica que enfrentará nos próximos anos. O presidente da Venezuela também sabe que
tem no Brasil uma última reserva de
confiança, mas não infinita, para seus
gestos. E sabem todos, sociedades nacionais e governos andinos e amazônicos de países vizinhos, que a integração estruturante da América do
Sul passa pelas relações no eixo Buenos Aires-Brasília-Caracas.
A integração do norte da América
do Sul ao eixo platino é também obra
de Estado, não de governos que passam, mas com avanços inequívocos
do governo atual.
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA, 47, doutor em história pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), é professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB
(Universidade de Brasília). É autor, entre outras obras, de
"Relações Internacionais - Dois Séculos de História".
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