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CLÓVIS ROSSI
Sonhar e pensar pequeno
SÃO PAULO - No livro "Projeto de
Brasil, opções de país; opções de desenvolvimento", escreve João Paulo dos Reis Velloso, ex-ministro do
Planejamento durante parte do regime militar:
"O Brasil, hoje, se contenta com
pouco. Mas, por trás, há uma crise
de auto-estima. O brasileiro tem
pena de si mesmo, e se afasta da política -o que é um boomerang".
Pode-se concordar ou não com as
duas últimas frases, mas a primeira
parece-me indiscutível. Só não estou certo de que se aplique o "hoje".
Suspeito que o brasileiro sempre
tenha se contentado com pouco.
Prova-o o fato de que a colossal
desigualdade social, das maiores do
mundo, se arrasta há séculos, entra
governo, sai governo, entra ditadura, sai ditadura, entram os civis,
saem os militares, sem que tenha
havido qualquer tipo de revolta.
Quantas vezes se ouve da mãe
que vê o filho morrendo de doença
trivial a frase "Deus qué"? Deus não
quer, não, senhora. Quem permite a
perenização dessa miséria são os
homens, especialmente os homens
públicos de sucessivas gerações -e
bota sucessivas nisso.
O dramático é que esse tipo de
conformismo está se alastrando para a classe média, a julgar pelo depoimento de Contardo Calligaris em seu mais recente artigo para esta Folha, publicado no dia 11.
Escreve esse notável especialista:
"Ao longo de 30 anos de clínica, encontrei várias gerações de adolescentes (a maioria, mas não todos,
de classe média) e, se tivesse que
comparar os jovens de hoje com os
de dez ou 20 anos atrás, resumiria
assim: eles sonham pequeno".
É doloroso verificar que dois estudiosos de áreas completamente
diferentes, como Velloso e Calligaris, sem que tenham se encontrado
ou debatido o assunto, ponham no
papel uma avaliação que é rigorosamente a mesma.
O que é feito do "seja razoável,
peça o impossível" que embalou os
sonhos da minha geração?
crossi@uol.com.br
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