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CARLOS HEITOR CONY
Ouro para o bem do Brasil
RIO DE JANEIRO - Alguns leitores estranham que o cronista, que passou
oito anos criticando o governo passado, esteja agora criticando o novo governo, que saiu ungido das urnas e
despertou as esperanças do povo.
É isso mesmo, senhores e senhoras.
Estou repetindo, sem a mesma dramaticidade, um momento de minha
vida profissional, quando, em 1964,
num jornal que não mais existe, criticava o governo de João Goulart. Mas,
no dia seguinte ao de sua deposição,
comecei a criticar o regime militar
que então se instalava, não por birra
ou necessidade de ser do contra, mas
porque não podia calar diante da
violência que então se instalava.
E não fiquei calado até que me calassem à força, quando o ministro da
Guerra, mais tarde presidente da República, me processou pela Lei de Segurança Nacional e tive de pedir demissão para não prejudicar o jornal
em que trabalhava. O que não adiantou: pouco depois o matutino seria
obrigado a fechar por falta de condições para combater o regime militar.
Deus é testemunha de que desejo
tudo de bom para o atual governo,
em especial para Lula, figura que
considero sagrada em nosso contexto
político. Mas daí a apoiar ou aplaudir o Fome Zero vai uma distância
tão grande quanto a admiração que
tenho por ele.
Compreendo até as razões contingenciais que o fizeram embarcar nessa canoa furada, que teve até apoio
entusiasmado de uma modelo e de
uma emergente da Barra da Tijuca.
E está tendo a adesão de figuras
manjadíssimas em disputar espaço
na mídia.
Não houve nenhuma enchente, terremoto ou catástrofe que mobilizasse
governo e sociedade para acudir populações carentes de calorias, vitaminas e sais minerais. A fome precisa
ser saciada todos os dias, o tempo todo. E isso não se resolve com um mutirão, com uma campanha tipo "dê
ouro para o bem do Brasil".
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