RIO DE JANEIRO - Com freqüência cada vez maior, sinto-me obrigado a louvar a ignorância, achando que a sabedoria atrapalha a vida das pessoas, embora minha vida seja bastante atrapalhada e sem qualquer sabedoria.
Tive um colega de CPOR, estudante de medicina, que, num acampamento em Gericinó, me declarou que, desde que começara a estudar anatomia, perdera o interesse pela atividade sexual. "É chato saber como e por que essas coisas acontecem."
Evidente que não dei razão a ele e continuei apreciando "essas coisas", mais do que devia, até, mas outro dia, num deslocamento aéreo, li uma peça promocional dos fabricantes do avião que me transportava. Fiquei sabendo coisas inúteis, mesmo assim inquietantes.
Por exemplo, um par de óculos esquecido num assento custa à companhia aérea 50 litros de combustível a mais, o suficiente para que eu vá, de carro, a Barra do Piraí e volte. Bem verdade que nada tenho a fazer em Barra do Piraí, mas fiquei impressionado: é combustível pra burro, levando inutilmente um par de óculos daqui para ali.
O detalhe me tirou a vontade de ler o restante da peça promocional. Lembrei-me do colega de CPOR que se desinteressou pelo sexo quando adquiriu um mínimo de sabedoria sobre a sua mecânica e o seu custo.
Nunca tive muito prazer nos deslocamentos aéreos que sou forçado a fazer por rotina profissional. Ignorando compactamente como um avião vai de um lugar para outro, pulga que pula 500 vezes o seu próprio tamanho. Jamais senti qualquer tipo de remorso por ter esquecido meus óculos num vôo que fez escala em Dakar para trocar de aparelho.
Já faz tempo, tempo em que a escala em Dakar era mais ou menos obrigatória. Com o combustível que obriguei a companhia a gastar, poderia ir e voltar a Barra do Piraí todos os dias, até a consumação dos séculos. E o pior é que nada tenho a fazer em Barra do Piraí.


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