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TENDÊNCIAS/DEBATES
A cidadania virou gente
RUY ALTENFELDER
A redemocratização brasileira
-cujos ícones foram a campanha
das Diretas-Já, em 1984, a eleição do
presidente Tancredo Neves e a posse do
governo civil, em 1985, e a promulgação
da Constituição, em 5 de outubro de
1988- conferiu significado mais amplo
ao substantivo cidadão. A cada dia de liberdade política, o termo foi se consolidando como predicado essencial das
pessoas, em suas atividades e no cotidiano de sua interação com a sociedade,
o Estado, a Justiça, a imprensa e o mercado consumidor.
No livro "Cidadania no Brasil - O Longo Caminho" (Civilização Brasileira),
José Murilo de Carvalho analisa muito
bem a questão. Observa que, na democracia, "a cidadania virou gente". Gente
que vota, protesta, reivindica direitos,
cumpre deveres, compartilha responsabilidades e assume a condução soberana de sua própria história, seu destino. É
essa mesma gente, ungida pela graça da
cidadania, que pede, mais uma vez, aos
poderes Legislativo e Executivo, a realização da reforma política. A realidade
nacional torna cada vez mais claro ser
essa tarefa imprescindível. Não teriam
relação de causa e efeito com a legislação política, falha e ultrapassada, episódios como a recente reforma ministerial, que, além de deixar em segundo
plano a questão da fidelidade partidária,
levou mais uma vez ao Executivo parlamentares eleitos para cumprirem mandato no Poder Legislativo?
Um dos pontos a serem revistos na reforma política é exatamente o referente
ao cumprimento integral dos mandatos
de senadores e deputados, que, recebendo o voto para o Parlamento, não
deveriam transferir-se para cargos no
governo. Essa prática é desrespeitosa
aos eleitores. Outro item fundamental é
relativo à fidelidade partidária. A troca
banal de partido, ao léu de vínculos efetivos com causas e programas, torna
fluidos os compromissos dos políticos,
suscitando mudanças aleatórias de posicionamento e fisiologismo. O último
Código Eleitoral é de 1965. A cada eleição, estabelecem-se normas específicas.
Isso mobiliza tempo do Congresso, do
Executivo e da Justiça Eleitoral, além de
dar margem à improvisação e ao casuísmo. O Brasil precisa de um Código Eleitoral moderno. Nesse sentido, um dos
avanços fundamentais é o voto distrital
misto, para que cada região ou área eleitoral tenham representantes próprios e
legítimos no Legislativo.
O último Código Eleitoral é de 1965. A cada eleição, estabelecem-se normas específicas. Isso dá margem ao casuísmo
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A reforma deve contemplar, ainda, a
normalização dos financiamentos das
campanhas, visando estabelecer plena
transparência de origem e destino dos
recursos. Outra necessidade é rever a
proporcionalidade da representação
dos Estados na Câmara dos Deputados.
Hoje, o voto dos eleitores de Estados
mais populosos vale menos do que os
de menor número de habitantes. Essa
distorção é um dos fatores que diluem
os compromissos do Congresso com o
interesse da maioria da população. Finalmente, deve-se extinguir a obrigatoriedade do voto, muito mais um direito
do que dever.
Verifica-se, mais uma vez, que bastou
o início do ano eleitoral -que deveria
ser sempre um período naturalmente
incorporado à rotina do Estado democrático- para que os gargalos da legislação político-eleitoral possibilitem o
início de movimentos sísmicos no âmbito do setor público. Permanecer ou
ascender ao poder torna-se, para muitos, mais importante do que honrar
compromissos partidários ou assumidos com os cidadãos. Assim, a reforma
política tem de contemplar o aperfeiçoamento da democracia e, ao mesmo
tempo, estimular posturas éticas no
exercício do poder conferido pelo voto.
Trata-se, portanto, de tema a ser debatido em profundidade e incluído na
pauta de reivindicações aos Poderes
constituídos. É com essa intenção que o
Instituto Roberto Simonsen, organismo
de estudos avançados da Fiesp, realiza,
em 18 de fevereiro, na sede da entidade,
em São Paulo, seminário sobre a reforma política, com a presença dos presidentes dos partidos, dentre outras personalidades. Discussões dessa natureza
devem ser multiplicadas, para que os cidadãos conquistem a prerrogativa plena de que o voto eleja compromissos,
causas, ideologias, programas, e não
efêmeros discursos e volúveis ocupantes de cargos públicos. Uma reforma
política eficaz irá, portanto, potencializar a valorização que o Estado de Direito já promoveu no exercício da cidadania.
Ruy Martins Altenfelder Silva, 64, advogado, é
presidente do Instituto Roberto Simonsen, organismo de estudos avançados da Fiesp. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento
Econômico e Turismo do Estado de São Paulo
(2001-2002).
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