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Estado de Direito já
Leis mais duras e uma política agressiva de isolamento de líderes do crime organizado não vão resolver o problema
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PAULO DE MESQUITA NETO
As rebeliões nas prisões e a violência nas ruas refletem o crescimento do poder do crime organizado,
mas principalmente o absoluto desrespeito à lei e às instituições democráticas
e a absoluta falta de consideração pela
vida e pelo bem-estar da população por
parte de grupos criminosos.
Refletem, por outro lado, a dificuldade do poder público de promover e sustentar reformas capazes de fortalecer as
instituições de segurança pública, Justiça criminal e administração penitenciária, bem como políticas de prevenção e
controle do crime e da violência no Estado de São Paulo.
É preciso oferecer todo apoio às autoridades para, dentro dos limites da lei e
com estrito respeito aos direitos humanos, conter as rebeliões e ataques, investigar responsabilidades, processar e
condenar os responsáveis pela violência
nos últimos dias em São Paulo. Mas é
também urgente reconhecer que as políticas federais e estaduais na área da segurança e Justiça nos últimos anos não
foram ainda capazes de atender às expectativas mínimas da população. Reformas, planos e programas foram
anunciados diversas vezes. A série de
anúncios, por si só, demonstra a falta de
implementação.
Todos reclamam e ainda há muitos
problemas na esfera da economia, saúde e educação. Mas, nos últimos anos, a
inflação foi contida e as taxas de mortalidade infantil e de analfabetismo foram
reduzidas, graças a políticas articuladas
do governo federal e dos governos estaduais e municipais, com apoio da sociedade civil e principalmente dos profissionais destes setores. Patamares mínimos de civilização, democracia e respeito aos direitos humanos foram atingidos, o que parece não ter acontecido nas
áreas da segurança e da Justiça.
Mais leis, leis mais duras, e uma política agressiva de encarceramento e isolamento de líderes do crime organizado
não vão resolver o problema, e muito
menos o emprego das Forças Armadas,
se o poder público não for capaz de fazer cumprir a lei de execução penal,
controlar a corrupção e a violência e garantir o respeito aos direitos humanos
no sistema penitenciário. O respeito aos
direitos humanos, nas prisões e fora delas, é um quesito fundamental da democracia, é a linha que separa o Estado de
Direito e a barbárie.
Há uma grande preocupação com investimentos na construção de presídios
e na ampliação dos quadros de policiais,
promotores, juízes e agentes penitenciários. Mas há pouca preocupação com
investimentos nas tecnologias e equipamentos necessários e principalmente
nos homens e mulheres responsáveis
pelas políticas federais, estaduais e municipais de prevenção e controle do crime e da violência.
Quais os investimentos feitos até aqui
na apreensão e confisco de bens dos
membros de grupos criminosos, medida essencial para enfraquecer o crime
organizado? Qual investimento em reformas organizacionais e gerenciais,
que permitam recompensar os profissionais que realizam um bom serviço,
aperfeiçoar os profissionais cujo desempenho está abaixo das expectativas
e punir os profissionais envolvidos na
prática de corrupção e violência, que
são requisitos essenciais para o aperfeiçoamento das instituições e práticas de
segurança pública, Justiça criminal e
administração penitenciária? Na promoção destas reformas e na realização
destes investimentos, a universidade, a
sociedade civil e o setor privado podem
dar uma contribuição significativa aos
governos estaduais e municipais e ao
governo federal.
Neste ponto, acusações recíprocas
não levam para lugar algum. Promessas
de mudança não são suficientes. Já é
tempo de reconhecer a gravidade do
problema e a inexistência de soluções
fáceis. A construção, com a participação
fundamental dos profissionais das instituições de segurança, da Justiça e da administração penitenciária, de uma estratégia de controle e prevenção do crime e da violência capaz de articular as
exigências da segurança pública e dos
direitos humanos é a alternativa que temos ao crescimento do crime organizado e dos abusos do Estado.
Paulo de Mesquita Neto, 44, doutor em ciência
política pela Universidade Columbia, é representante da Human Rights Watch no Brasil.
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