São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

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Estado de Direito já


Leis mais duras e uma política agressiva de isolamento de líderes do crime organizado não vão resolver o problema

PAULO DE MESQUITA NETO

As rebeliões nas prisões e a violência nas ruas refletem o crescimento do poder do crime organizado, mas principalmente o absoluto desrespeito à lei e às instituições democráticas e a absoluta falta de consideração pela vida e pelo bem-estar da população por parte de grupos criminosos.
Refletem, por outro lado, a dificuldade do poder público de promover e sustentar reformas capazes de fortalecer as instituições de segurança pública, Justiça criminal e administração penitenciária, bem como políticas de prevenção e controle do crime e da violência no Estado de São Paulo.
É preciso oferecer todo apoio às autoridades para, dentro dos limites da lei e com estrito respeito aos direitos humanos, conter as rebeliões e ataques, investigar responsabilidades, processar e condenar os responsáveis pela violência nos últimos dias em São Paulo. Mas é também urgente reconhecer que as políticas federais e estaduais na área da segurança e Justiça nos últimos anos não foram ainda capazes de atender às expectativas mínimas da população. Reformas, planos e programas foram anunciados diversas vezes. A série de anúncios, por si só, demonstra a falta de implementação.
Todos reclamam e ainda há muitos problemas na esfera da economia, saúde e educação. Mas, nos últimos anos, a inflação foi contida e as taxas de mortalidade infantil e de analfabetismo foram reduzidas, graças a políticas articuladas do governo federal e dos governos estaduais e municipais, com apoio da sociedade civil e principalmente dos profissionais destes setores. Patamares mínimos de civilização, democracia e respeito aos direitos humanos foram atingidos, o que parece não ter acontecido nas áreas da segurança e da Justiça.
Mais leis, leis mais duras, e uma política agressiva de encarceramento e isolamento de líderes do crime organizado não vão resolver o problema, e muito menos o emprego das Forças Armadas, se o poder público não for capaz de fazer cumprir a lei de execução penal, controlar a corrupção e a violência e garantir o respeito aos direitos humanos no sistema penitenciário. O respeito aos direitos humanos, nas prisões e fora delas, é um quesito fundamental da democracia, é a linha que separa o Estado de Direito e a barbárie.
Há uma grande preocupação com investimentos na construção de presídios e na ampliação dos quadros de policiais, promotores, juízes e agentes penitenciários. Mas há pouca preocupação com investimentos nas tecnologias e equipamentos necessários e principalmente nos homens e mulheres responsáveis pelas políticas federais, estaduais e municipais de prevenção e controle do crime e da violência.
Quais os investimentos feitos até aqui na apreensão e confisco de bens dos membros de grupos criminosos, medida essencial para enfraquecer o crime organizado? Qual investimento em reformas organizacionais e gerenciais, que permitam recompensar os profissionais que realizam um bom serviço, aperfeiçoar os profissionais cujo desempenho está abaixo das expectativas e punir os profissionais envolvidos na prática de corrupção e violência, que são requisitos essenciais para o aperfeiçoamento das instituições e práticas de segurança pública, Justiça criminal e administração penitenciária? Na promoção destas reformas e na realização destes investimentos, a universidade, a sociedade civil e o setor privado podem dar uma contribuição significativa aos governos estaduais e municipais e ao governo federal.
Neste ponto, acusações recíprocas não levam para lugar algum. Promessas de mudança não são suficientes. Já é tempo de reconhecer a gravidade do problema e a inexistência de soluções fáceis. A construção, com a participação fundamental dos profissionais das instituições de segurança, da Justiça e da administração penitenciária, de uma estratégia de controle e prevenção do crime e da violência capaz de articular as exigências da segurança pública e dos direitos humanos é a alternativa que temos ao crescimento do crime organizado e dos abusos do Estado.


Paulo de Mesquita Neto, 44, doutor em ciência política pela Universidade Columbia, é representante da Human Rights Watch no Brasil.


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