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PLÍNIO FRAGA
Os que ficamos
RIO DE JANEIRO - Apesar de iniludível e corriqueira a ponto de ser
seção no jornal, a morte está por
sempre associada ao espanto -e à
falta do que dizer para os que ficamos. Talvez seja o poeta pernambucano Manuel Bandeira (1886-1968)
o autor do manual de instruções
mais necessário, episódico produtor de um guia de auto-ajuda.
Bandeira escreveu versos espetaculares sobre o tema, como o que
fala das lágrimas "nascidas menos
da saudade do que do espanto da
morte". No poema "Morte Absoluta", traz inquietações para quem vai
e para quem fica: "Que céu pode satisfazer teu sonho de céu?", provoca. Lança ainda o temor de uma
existência inútil e a ameaça de
"morrer sem deixar um sulco, um
risco, uma sombra, em nenhum coração, em nenhum pensamento,
em nenhuma epiderme".
Em "Consoada", Bandeira dá até
a dica de como agir "quando a indesejada das gentes chegar", seja ela
"dura ou caroável [meiga]": "Talvez
eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: alô, iniludível!"
Usual, a morte é sempre extraordinária, ao menos para sua vítima.
Está em cartaz em São Paulo, no
Sesc da avenida Paulista, a peça
"Vemvai - O Caminho dos Mortos".
Dirigida por Cibele Forjaz, a obra
foi criada a partir de uma coletânea
de estudos, textos e experiências da
relação dos índios com a morte.
Com soluções cênicas belas e
inesperadas -a começar pelo espaço, o oitavo andar de um prédio cenografado como se fosse escombros-, o texto é uma viagem quase
lisérgica sobre a visão ameríndia da
morte, que por diversas vezes tangencia o canibalismo. Tem tiradas
como a que diz que "não ser canibal
não significa não pensar canibal".
No entanto, a melhor é aquela que
deveríamos guardar como palavra
de consolo que sempre nos falta e
como a arma secreta contra a indesejada: "A morte é um truque".
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