São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Navegação às cegas

SÃO PAULO - Os dois números mais recentes desta Folha oferecem preciosas, ainda que tristes, demonstrações de que o país está em uma navegação às cegas, para a qual não há à vista porto nenhum, seguro ou inseguro.
Começou com a belíssima entrevista de Plínio Fraga, na segunda-feira, com o brasilianista Marshall C. Eakin, doutor pela Universidade da Califórnia em Los Angeles e historiador da Vanderbilt University (também EUA), na qual ele constata que, "na América Latina, mesmo com a vitória eleitoral de esquerdistas, no poder eles tiveram de continuar o modelo neoliberal. Como fazer a justiça social no mesmo modelo econômico dos conservadores? A esquerda ainda não tem resposta".
Como a direita, que governou uns 500 anos, também não tem...
Ontem, foi a vez do senador Cristovam Buarque (PT-DF) confessar que "esquerda nascida no ABC (leia-se o PT) chegou à Presidência com um projeto de poder, mas sem projeto para utilizá-lo".
É o mais perto que um petista poderia chegar de confessar estelionato eleitoral, já que tudo o que o PT tinha era um projeto de poder, mas não um projeto de governo.
Por dever de ofício, o senador ainda diz que, talvez, o partido consiga criar algo. Duvido: se, em 23 anos de vida, o PT limitou-se a descobrir como chegar ao poder, será difícil que, nos 30 meses que lhe restam, descubra o que fazer com ele.
Por fim, Roberto Mangabeira Unger, um dos últimos (e admiráveis) quixotes da República, lamenta que a "história do Brasil de hoje" seja apenas um "caldeirão reduzido a marasmo, governado no regime tucano-petista por gente que junta a covardia com a falta de imaginação. Para sair disso, é preciso mudar, ao mesmo tempo, o poder e as idéias. (...) Ninguém ainda sabe como".
Terrível não? Mas é uma descrição acurada da realidade. O que significa que as coisas tendem a piorar antes de que comecem a melhorar. Se é que começarão.


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