São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os servidores e o governo estadual

LUIZ MARINHO

Oito anos depois do congelamento em seus vencimentos, os servidores públicos federais começam a recompor as perdas salariais provocadas pela negligência com que as gestões do PSDB trataram as relações trabalhistas no Executivo federal. O acordo assinado no último dia 1º/6, com o governo, começa a quebrar a lógica imposta pelo tucanato e aponta para perspectivas de valorização do funcionalismo público.
Infelizmente, não é isso que está acontecendo em São Paulo. O governo estadual continua mantendo a mesma política de arrocho salarial de FHC, com o agravante de reprimir, não só com a força policial, mas com diversos mecanismos arbitrários, o legítimo direito de manifestação e greve dos servidores.
Mas, usando a mesma linguagem do governador Geraldo Alckmin, que gosta tanto de falar de seu governo em números e cifras, vamos a alguns deles: R$ 476,12; R$ 574,15; R$ 845,97; R$ 1.077,96. Estes são os salários que trabalhadores públicos da saúde -oficiais administrativos, auxiliares de enfermagem, enfermeiros e médicos, respectivamente-, só para citar alguns, estão recebendo no Estado mais rico do país desde 1998, sendo que quase toda a remuneração é composta por gratificações. Ou seja, faz seis anos que sua remuneração está congelada e nenhuma tentativa de negociação frutificou, apesar da insistência do sindicato da categoria e da CUT para que fossem estabelecidos canais de diálogo.


Ao dar as costas para o funcionalismo, Geraldo Alckmin só colabora para sucatear ainda mais o serviço público estadual


Por isso, nos últimos dias a população do Estado de São Paulo tem sentido na pele o resultado da inconseqüência de Geraldo Alckmin, pela postura antidemocrática e autoritária com que tem tratado as relações de trabalho. E como último recurso para tentar sensibilizar o Estado a fim de que negocie com a categoria, os funcionários da saúde cruzaram os braços.
A título de comparação, para os mesmos profissionais acima citados a média salarial nas prefeituras é de R$ 637; R$ 751; R$ 1.579; e R$ 1.485. No setor privado, em algumas faixas o valor é o dobro do pago pelo Estado (é o caso dos médicos, por exemplo). Mais grave ainda é que as gratificações representam mais de 80% dessa remuneração total. E, quando o servidor da saúde se aposenta, cerca de 60% do salário que recebia desaparecem.
Essa mesma situação é vivida por trabalhadores de outras áreas, como a educação. As Faculdades de Tecnologia (Fatecs) são outro exemplo recente. Os funcionários dessas instituições tentaram inutilmente discutir com o governo a reposição salarial da categoria (cuja defasagem chega a 72,2%), mas nada conseguiram. A paralisação também foi o último recurso encontrado para sensibilizar o governo. Foram quase três meses de greve sem nenhuma perspectiva de diálogo e, depois de todo esse desgaste, eles resolveram suspender a paralisação porque houve promessa de negociação. Só que não passou de promessa, numa demonstração de desrespeito à categoria.
Enquanto servidores e população sofrem com esse descaso, o governador vive apregoando que as finanças públicas estão saneadas e que nunca um governo "fez tanto pelo Estado". Será mesmo?
Ao dar as costas para o funcionalismo, Geraldo Alckmin só colabora para sucatear ainda mais o serviço público estadual, porque, além da falta de estrutura dos equipamentos públicos -as próprias Fatecs são prova disso, já que são prédios sem nenhuma infra-estrutura para o tipo de ensino a que se propõem-, causa descontentamento e desmotiva os trabalhadores do Estado.
O governador deveria enxergar o conjunto do funcionalismo como um dos principais bens do serviço público, como o principal meio para um atendimento eficiente à população. E a via para isso é o estabelecimento de canais eficazes para a discussão das relações de trabalho.
A democratização das relações de trabalho no setor público é o caminho para resgatar a credibilidade no governo estadual, nos serviços e no funcionalismo e para trazer alívio à população, que sofre com as greves. Aliás, essa proposta de normatizar as negociações no setor público está sendo defendida pelos trabalhadores, no Fórum Nacional do Trabalho, como um dos pontos da reforma sindical. E essa é a reivindicação que a CUT e os diversos sindicatos dos servidores vêm fazendo ao governo do Estado. Pedimos a criação de uma mesa permanente de negociação para discutir não apenas salários, mas também as condições de trabalho necessárias para garantir um atendimento de qualidade no serviço público.

Luiz Marinho, 45, é o presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).


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