São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Câmara dos Deputados deve aprovar o voto em lista fechada para eleições proporcionais?

SIM

Racionalização do debate político

LUIZ SÉRGIO

NÃO HÁ sistema eleitoral perfeito. À luz dessa compreensão, a comissão especial encarregada de discutir a reforma política elaborou proposta do voto em lista. Para tanto, considerou a excessiva personalização do voto, induzida por um sistema que fragiliza as instituições partidárias e exacerba o individualismo, tanto dentro quanto fora dos partidos, ao mesmo tempo em que contribui para pulverizar de maneira artificial as forças políticas.
O voto em lista tem a virtude pedagógica de racionalizar o debate político e permitir ao eleitorado conhecer o programa que está escolhendo. O atual sistema não permite um debate racional. A cada eleição, é uma balbúrdia de siglas, materiais diversos e propostas desconexas que invadem ruas e lares, produzindo muito barulho, pouco esclarecimento e nenhuma politização. Tudo resulta em bancadas fragmentadas, eleitos exóticos e ingovernabilidade.
Os adversários do voto em lista alegam que sua adoção tira do eleitor o direito de escolher seu candidato. Pura embromação, pois ignora que hoje o eleitor pode votar num candidato e contribuir para eleger outro do mesmo partido ou de outra sigla coligada.
A lista permite construir um partido mais solidário, coletivo e que possa nos unificar no processo das campanhas políticas. Cria condições de oportunidades mais igualitárias.
Aquilo que é antipartido e anticoletivo é o individualismo, prática que o PT nega na sua essência. A lista procura assegurar ao eleitor o direito de optar por um programa e uma orientação ideológica clara. Teme-se o excesso de poder nas direções partidárias e nos chamados caciques. Ora, nada impede a aprovação de legislação específica com regras democráticas para reger a confecção das listas, como a consulta ao conjunto dos filiados aos partidos. Estes podem estabelecer as normas. Se incorrerem em métodos autoritários, certamente serão punidos pelas urnas.
A lista preordenada -ou um derivativo dela, que não descaracterize o esqueleto da proposta- viabiliza o financiamento público de campanha, que dará dignidade a parlamentares e partidos políticos, além de independência ao exercício do mandato.
O financiamento público unifica as campanhas, que serão conduzidas unicamente pelos partidos, facilita o controle e a fiscalização e, acima de tudo, barateia as campanhas, cujo custo crescente chega a agredir a dignidade do nosso povo. O atual modelo de financiamento está esgotado. Favorece escandalosamente candidatos com acesso aos donos do dinheiro, encarece absurdamente as campanhas, torna os candidatos e os eleitos reféns do poder econômico. É a matriz da prática da corrupção e contribui para a desmoralização da atividade política e da democracia.
Quem, como alguns tucanos, propõe voto distrital é porque não quer fazer nenhuma reforma. O sistema distrital, em todas as suas variantes, é uma aberração antidemocrática que sufoca as minorias. A Inglaterra padece do mal desde 1945. Lá, o Partido Liberal é freqüentemente prejudicado, pois o percentual de cadeiras que recebe é sempre inferior ao seu percentual de votos. Com uma média de 12,4% dos votos, obtém uma média de 1,9% das cadeiras. Em 1983, recebeu 25,04% dos votos e elegeu apenas 3,5% dos representantes.
Na Alemanha, dadas as deformações do sistema distrital, se adotou um sistema de listas para eleger a metade do Parlamento. Dir-se-ia que a elite alemã, consciente de seu passado nada exemplar em matéria de democracia, resolveu permitir que pelo menos metade do seu Parlamento fosse eleita de forma democrática.
Qualquer versão do sistema distrital é antidemocrática e inviável, até porque requer reforma constitucional que depende da aprovação de 308 deputados. Ninguém consegue construir essa maioria. Precisamos, sim, discutir com sinceridade os pontos que estão na pauta da Câmara: voto em lista, proibição de coligações proporcionais, financiamento público e fidelidade partidária. A reforma precisa reafirmar, acima de tudo, a democracia, a transparência, o controle sobre os gastos, a moralização da campanha e a dignidade para o exercício do mandato.
Ainda há tempo e esperança.


LUIZ SÉRGIO, 49, metalúrgico especializado em construção naval, é deputado federal pelo PT-RJ e líder do partido na Câmara. Foi prefeito de Angra dos Reis (1993-1996).

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