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CLÓVIS ROSSI
O "véio Arraia" e o livrinho
SÃO PAULO - Na cobertura das eleições estaduais de 1986, calhou de eu
ser convidado por Miguel Arraes, o
candidato (do PMDB) que acabaria
vitorioso, para viajar com ele para o
sertão pernambucano. Inesquecível.
Melhor que todo um curso de sociologia e política. O "véio Arraia", como
era chamado pelos sertanejos, parecia um "padim Ciço" para a gente
humilde, mas era ao mesmo tempo
um dos raros políticos capazes de
conversar sobre o Brasil como país. A
maioria dos outros, seus contemporâneos ou os atuais, fala do Brasil
apenas como um colégio eleitoral,
um manancial de votos. O país em si
que se dane, como bem mostra o escândalo em curso.
Certo ou errado nas suas propostas,
o fato é que valia a pena conversar
com Arraes. Não, não estou dizendo
que era um santo, só porque morreu,
como é do hábito brasileiro. Mas visto agora em perspectiva, ainda mais
na comparação com esse pessoal do
PT que se dizia de esquerda (como
ele, Arraes), é até covardia.
O que mais me incomodava nas
conversas com Arraes (e também
com Leonel Brizola) era sabê-los vítimas de uma anomalia: um e outro
poderiam ter sido presidentes da República, não tivessem suas carreiras
políticas interrompidas pela violência de uma ditadura.
Não sei como seria uma Presidência Arraes ou Brizola.
Mas aposto que, se as coisas tivessem seguido o curso normal, com
eleições nas épocas previstas, sem
cassações e banimentos por motivos
ideológicos ou perseguição política, o
país seria melhor do que é.
É por isso que, contra a cobrança
de muito leitor, continuo achando
que seguir o que está escrito na Constituição é mais correto do que inventar Constituinte, eleição antecipada,
vetar o vice porque é a favor da queda dos juros ou qualquer outra mágica que não esteja no livrinho.
Talvez o Brasil tenha líderes tão
medíocres justamente porque o arbítrio obrigou tantos outros a hibernarem por tanto tempo.
@ - crossi@uol.com.br
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