São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2005

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CLÓVIS ROSSI

O "véio Arraia" e o livrinho

SÃO PAULO - Na cobertura das eleições estaduais de 1986, calhou de eu ser convidado por Miguel Arraes, o candidato (do PMDB) que acabaria vitorioso, para viajar com ele para o sertão pernambucano. Inesquecível. Melhor que todo um curso de sociologia e política. O "véio Arraia", como era chamado pelos sertanejos, parecia um "padim Ciço" para a gente humilde, mas era ao mesmo tempo um dos raros políticos capazes de conversar sobre o Brasil como país. A maioria dos outros, seus contemporâneos ou os atuais, fala do Brasil apenas como um colégio eleitoral, um manancial de votos. O país em si que se dane, como bem mostra o escândalo em curso.
Certo ou errado nas suas propostas, o fato é que valia a pena conversar com Arraes. Não, não estou dizendo que era um santo, só porque morreu, como é do hábito brasileiro. Mas visto agora em perspectiva, ainda mais na comparação com esse pessoal do PT que se dizia de esquerda (como ele, Arraes), é até covardia.
O que mais me incomodava nas conversas com Arraes (e também com Leonel Brizola) era sabê-los vítimas de uma anomalia: um e outro poderiam ter sido presidentes da República, não tivessem suas carreiras políticas interrompidas pela violência de uma ditadura.
Não sei como seria uma Presidência Arraes ou Brizola.
Mas aposto que, se as coisas tivessem seguido o curso normal, com eleições nas épocas previstas, sem cassações e banimentos por motivos ideológicos ou perseguição política, o país seria melhor do que é.
É por isso que, contra a cobrança de muito leitor, continuo achando que seguir o que está escrito na Constituição é mais correto do que inventar Constituinte, eleição antecipada, vetar o vice porque é a favor da queda dos juros ou qualquer outra mágica que não esteja no livrinho.
Talvez o Brasil tenha líderes tão medíocres justamente porque o arbítrio obrigou tantos outros a hibernarem por tanto tempo.

@ - crossi@uol.com.br


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