São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

A fortuna do meu tio

RIO DE JANEIRO - Eu o conheci velho, ainda rijo e saudável, com suas terríveis pupilas negras. Já era tio antes mesmo de ter sobrinhos. Era um título mais ou menos impessoal, dizia-se "tio" como se diz "chove": uma ação que não tem sujeito nem precisa ter complemento.
O grande lance de sua vida fora o prêmio da Loteria de Natal que ganhara, segundo alguns, em 1929, segundo outros, em 1926.
Pois esse tio Augusto César de Moraes conseguiu, em menos de três anos, gastar a fortuna recebida. Augusto César de Moraes não comprou iates, não fez cruzeiros pelo Mediterrâneo, não importou gado holandês, nem melhorou sua casa avarandada e fresca, caiada de branco, à sombra de um enorme pé de cajá-manga. Se Augusto César não distribuiu bens e bênçãos entre seus sobrinhos, o certo é que todos ganhavam, a enorme lata redonda, ainda quente dos tachos onde o cajá-manga dourava ao fogo.
Como, quando, onde e por que Augusto César de Moraes gastou sua fortuna (5 mil contos de réis) sem sair de casa, sem sair de sua modesta vila, a antiga Soledade de Rodeio, tornou-se um mistério. Bem verdade que seus contemporâneos garantem que ele chegou a passar nas armas mais de 3 mil mulheres. Mas não teria sido com elas, numa prodigalidade de sátiro, que Augusto César de Moraes esbanjara tanta e tamanha fortuna. O certo é que um dia, um desses jornalistas investigativos que andam em moda deslocou-se até sua casa avarandada, coberta pelo pé de cajá-manga, e fez-lhe a pergunta na bucha: Como conseguira gastar tanto dinheiro sem sair dali?
Embrutecido pelas 3 mil mulheres que possuíra, fez um gesto no ar, achando a pergunta idiota e o perguntador imbecil. E respondeu, com enfado, num tom de quem não dá importância, a mais nada: "Ora... ora"...


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