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CARLOS HEITOR CONY
A fortuna do meu tio
RIO DE JANEIRO - Eu o conheci
velho, ainda rijo e saudável, com
suas terríveis pupilas negras. Já era
tio antes mesmo de ter sobrinhos.
Era um título mais ou menos impessoal, dizia-se "tio" como se diz
"chove": uma ação que não tem sujeito nem precisa ter complemento.
O grande lance de sua vida fora o
prêmio da Loteria de Natal que ganhara, segundo alguns, em 1929, segundo outros, em 1926.
Pois esse tio Augusto César de
Moraes conseguiu, em menos de
três anos, gastar a fortuna recebida.
Augusto César de Moraes não comprou iates, não fez cruzeiros pelo
Mediterrâneo, não importou gado
holandês, nem melhorou sua casa
avarandada e fresca, caiada de
branco, à sombra de um enorme pé
de cajá-manga. Se Augusto César
não distribuiu bens e bênçãos entre
seus sobrinhos, o certo é que todos
ganhavam, a enorme lata redonda,
ainda quente dos tachos onde o cajá-manga dourava ao fogo.
Como, quando, onde e por que
Augusto César de Moraes gastou
sua fortuna (5 mil contos de réis)
sem sair de casa, sem sair de sua
modesta vila, a antiga Soledade de
Rodeio, tornou-se um mistério.
Bem verdade que seus contemporâneos garantem que ele chegou a
passar nas armas mais de 3 mil mulheres. Mas não teria sido com elas,
numa prodigalidade de sátiro, que
Augusto César de Moraes esbanjara
tanta e tamanha fortuna. O certo é
que um dia, um desses jornalistas
investigativos que andam em moda
deslocou-se até sua casa avarandada, coberta pelo pé de cajá-manga, e
fez-lhe a pergunta na bucha: Como
conseguira gastar tanto dinheiro
sem sair dali?
Embrutecido pelas 3 mil mulheres que possuíra, fez um gesto no ar,
achando a pergunta idiota e o perguntador imbecil. E respondeu,
com enfado, num tom de quem não
dá importância, a mais nada: "Ora...
ora"...
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