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FERNANDO GABEIRA
Indecisão no Méier
RIO DE JANEIRO - "Teus dois cinemas, um ao pé do outro, por que
não se afastam/ para não criar, todas as noites, o problema da opção".
O poema de Carlos Drummond
falava da tortura que era para os
moradores do Méier terem dois cinemas, um ao lado do outro. Imagino como o poeta não ficaria surpreso com as notícias de nosso tempo.
Quando menino, também não tinha opção. Havia um novo filme
por semana, de um modo geral um
capítulo de Tom Mix. Hoje é possível baixar centenas de filmes pela
internet. E ganha impulso o livro
eletrônico, que num espaço reduzido contém 1.500 títulos.
Há muitas formas de pensar isso.
Uma delas, compreender a importância dessa produção imaterial, indicando que matérias primas podem ser até racionalizadas. Mas o
consumo cultural é, potencialmente, ilimitado.
A outra é voltar aos moradores do
Méier e viver, em proporções gigantescas, a angústia da opção. Possivelmente, Drummond estava influenciado pela filosofia existencialista pós-Guerra e queria fazer uma
referência mais profunda à inescapabilidade da escolha.
Diante de centenas de filmes e de
milhares de livros ao nosso alcance,
vivemos como se estivéssemos
diante de milhões de cinemas do
Méier. São tantas as escolhas que
não sabemos nunca se estamos no
livro, no filme ou na página certa da
internet. É difícil acreditar que estamos usando bem o tempo, tantas
são as variáveis e descaminhos.
Considerando que, além do cinema, temos de trabalhar e, em certas
cidades, flanar pelas ruas, nossa indecisão perdeu a dimensão poética
do livro "Sentimento do Mundo". E
ganhará as mesas de psicólogos,
consultores e planejadores do cotidiano. Como obter mais da gigantesca oferta cultural sem medo de
que coisas mais interessantes estejam acontecendo em outra parte?
Indecisão do Méier elevada ao cubo.
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