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CLÓVIS ROSSI
As almas congeladas
OXFORD - As duas mocinhas se matam para empurrar escada acima o
carrinho lotado de roupas de cama
do Oxford Hotel, quase à beira da estrada que leva desta cidade universitária a Londres.
De repente, em um português com o
mais puro sotaque mineiro, uma delas diz: "Ai, eu vou cair". Não caiu
por pouco. Pergunto: "O que vocês,
brasileiras, estão fazendo aqui neste
fim de mundo?".
A mineirinha responde: "O senhor
sabe que eu nem sei? Queria tanto
um solzinho".
É natural: Oxford, como todo o Reino Unido nesta época do ano, é
plúmbea, o frio lá fora é de rachar até
a alma (3º C, pouco mais ou menos).
É verdade que a calefação torna a
temperatura interna até agradável.
Permite que as moças empurrem seu
carrinho e façam suas tarefas com
roupas leves.
Mas a visão do cinza pesado lá de
fora parece penetrar todas as frestas e
invadir o hotel, congelando-o.
O calor é mais forte, bem mais forte,
junto ao fogão industrial do "Ask",
restaurante popular da George
Street, bem no centro de Oxford, a
passos de alguns dos incontáveis prédios da mitológica universidade. São
900 anos, ao menos, de tradição como centro docente.
Mas lá também o português soa alto e forte. Palavrões mil, que, pelo
menos teoricamente, há poucas
chances de encontrar entre os fregueses alguém que entenda esse exótico
idioma. Idioma falado em dois acentos, o português do Brasil e o português de Portugal.
Ironia (ou consequência da história
de ambos?), colonizado e colonizador
se encontraram, séculos depois, à beira do fogão.
Hoje é assim em muitas partes do
mundo, até nas mais improváveis.
Um brasileiro desgarrado tocando o
trabalho pesado, às vezes sem saber
direito o que faz por lá.
Pergunto de Luiz Inácio Lula da
Silva para as mocinhas do hotel Oxford. É como se lhes perguntasse de
um duende. Não processaram a eleição, não sabem se o duende é capaz
de aquecer almas geladas.
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