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São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A sacralidade do réu

RIO DE JANEIRO - Com a captura de Saddam Hussein por tropas norte-americanas, o ex-ditador do Iraque deixa de ser o inimigo para se tornar o réu -e moralmente, sobetudo juridicamente, sua condição muda de gênero e grau.
Evidente que terá de pagar pelos crimes que praticou contra o povo iraquiano e contra outros povos. Sob a pele de inimigo, podia ser morto por qualquer adversário num episódio de guerra. Agora não. Terá de ser julgado, no meu entender, pela justiça de seu povo, ou talvez por um tribunal internacional do qual estejam ausentes os países que o combatiam. Esse seria um princípio elementar da justiça e da moral, tão arranhadas pelas paixões humanas e políticas.
Como sabemos, o presidente Bush ganhou um trunfo para sua reeleição e poderá ganhar um prêmio extra, se obter de Saddam a confissão de que possuía realmente armas de destruição em massa e intenções de botar fogo no mundo ocidental. Seu prisioneiro tornar-se-ia o maior cabo eleitoral que nenhum candidato presidencial da história disporia para se reabilitar de um crime paralelo, que foi a invasão do Iraque nas circunstâncias em que ela ocorreu.
Já não falo no processo abominável da tortura, que obriga o prisioneiro a delatar a mãe e confessar que matou criancinhas e violou freiras. No arsenal tecnológico da CIA, há produtos químicos e técnicas de lavagem cerebral que transformam qualquer ser humano em máquinas robotizadas, teledirigidas pelos inquisidores.
Com a captura de Saddam, a prioridade máxima de Bush será a de obter do ex-ditador a confissão de que realmente possuía armas químicas e nucleraes para destruir a civilização ocidental. Com isso, lavaria suas mãos do crime que cometeu ao invadir o Iraque com seus aliados. Mas, desde Pilatos, a lavagem de mãos sujas não conta para a história.


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