São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Educar com os olhos no futuro
LUIZ GONZAGA BERTELLI
Bastou a divulgação das estatísticas para pipocarem críticas e palpites, boa parte em tom depreciativo e categórico. Quase sempre, as considerações são ligeiras, resumindo-se a um comentário que peca pela generalização: "A qualidade não acompanhou a quantidade". Interessante notar que poucos se dão ao trabalho de fundamentar a análise da qualidade, num momento em que várias correntes se dedicam com entusiasmo a desmerecer o provão, sem deixar muito claro o que pretendem colocar em seu lugar. Leigos na matéria podem até cultivar opiniões baseadas em constatações empíricas e expressá-las em conversas amenas ou indignadas, dependendo da última "bomba" veiculada pela imprensa. Mas de especialistas é justo que a sociedade espere uma análise serena, despida de interesses corporativos e dogmatismos, seguida de propostas consistentes para aprimorar o sistema de ensino, sem necessariamente destruir o pouco que foi feito e que deve ser creditado majoritariamente não a governos anteriores, mas a essa mesma sociedade, que tantas vezes contribuiu com pesados sacrifícios para os avanços. Ninguém com um mínimo de bom senso acreditaria que a expansão do ensino superior se deu sem problemas, distorções e até abusos. Mas a experiência ensina que, antes de colocar todo o processo numa vala comum, é recomendável examinar cada instituição criteriosamente e de forma isenta, com o objetivo de manter e aprimorar os cursos que tenham condições de atender às necessidades do aluno e do país. Convém ainda lembrar que, mesmo com o expressivo aumento das vagas, apenas 9% dos brasileiros de 18 a 24 anos estão na faculdade, enquanto em países como Chile e Bolívia essa parcela supera a casa dos 20%, como compara Carlos Antunes, secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação. E mais: a quase-universalização do ensino fundamental já está se refletindo no aumento de matrículas do ensino médio e, com isso, dentro de dois ou três anos a pressão dos jovens nas portas das faculdades será bem mais intensa. Por essas razões, somadas ao crime que será matar as esperanças dos jovens e dos pais que apostam na educação como passaporte para um mundo melhor, é mais interessante pensar à frente, buscando aprimorar o sistema de ensino como um todo. Até porque, ao que tudo indica, os dois sistemas terão de conviver por um bom tempo, sob o olhar vigilante do Estado, que precisará se mostrar competente para retirar dos dois sistemas o que cada um tem de melhor e conjugá-los. Só assim será possível agilizar o resgate dos milhões de jovens hoje condenados à exclusão por falta de conhecimento que lhes permita construir um país mais justo e menos desigual. Luiz Gonzaga Bertelli, 68, advogado e jornalista, diretor da Fiesp e da Associação Comercial de São Paulo, é presidente-executivo do Ciee (Centro de Integração Empresa-Escola). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Eduardo Portella: Entre ciências e humanidades Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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