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CLÓVIS ROSSI
De havaianas e cúpulas
COSTA DO SAUÍPE - Suspeito
que os jornalistas e as jornalistas
que estamos na adorável Bahia para
cobrir as multicúpulas da América
Latina e do Caribe deveríamos usar
havaianas.
Talvez nos deixassem ao menos
chegar perto dos governantes reunidos na luxuosa Costa do Sauípe,
mesmo depois de um jornalista
(sic) iraquiano ter atirado dois sapatos na direção do presidente
George Walker Bush.
Por falar nisso, o que me surpreendeu no episódio não foi que o
rapaz tivesse atirado um sapato,
mas que tivesse tempo de sobra para atirar o segundo sapato, ante a
catatonia da segurança.
Essa gente inferniza a vida dos
jornalistas com mil requisitos. Pede
que nos credenciemos com muita
antecedência, o que pressupõe que
façam uma checagem suficiente para não liberar o crachá para quem
usa sapatos suspeitos.
Mesmo assim, isolam os governantes, como aqui na Bahia. Eles ficam em um hotel, claro que o mais
luxuoso, ao qual só podemos chegar
se eles assim o decidirem e devidamente escoltados. E ainda passamos por verificação do equipamento que levamos, mesmo que seja
uma modesto caderno de anotações
(sapatos passam sempre).
Quando o entrevistado é o presidente dos Estados Unidos, seja qual
for, somos tratados como militantes potenciais da Al Qaeda.
Inverte-se a lógica: quando comecei nesta profissão, os jornalistas procurávamos as autoridades.
Agora, as autoridades é que nos
procuram, mas só quando querem.
Não é que eu goste de falar com elas.
Às vezes, é de fato interessante. Mas
o que me leva a procurá-las é o dever que elas têm de prestar contas
ao público do que estão fazendo
nessas cúpulas, homiziadas em
"bunkers" inacessíveis.
Somos apenas a ponte entre elas
e o público. Não fogem, pois, de nossos sapatos ou havaianas, mas do
público.
crossi@uol.com.br
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