São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2004

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DIRETAS NO IRAQUE

Os planos dos Estados Unidos para construir um Iraque democrático esbarraram num obstáculo imprevisto: a demanda por eleições diretas já. Quem exige o pleito são xiitas liderados pelo aiatolá Ali al Husseini al Sistani. Seus motivos são óbvios: os xiitas representam 60% dos 25 milhões de iraquianos.
Os EUA preferem um outro caminho para estabelecer um governo interino iraquiano. Pretendem promover convenções regionais, garantindo assim a presença de todas as etnias na administração interina iraquiana. Eleições diretas só viriam em 2005, depois de aprovada uma nova Constituição para o país. Os motivos de Washington também são óbvios: os xiitas poderiam estabelecer um governo islâmico no país. Os EUA preferem que o Estado iraquiano seja laico. A proximidade entre certos grupos xiitas do Iraque e o Irã preocupa a Casa Branca. O próprio aiatolá Al Sistani nasceu do lado iraniano da fronteira e fala árabe com um forte sotaque persa.
Cabe perguntar, assim, até que ponto são sinceras as intenções do presidente George W. Bush de fazer do Iraque uma democracia. Se se compreende democracia como o governo representativo da maioria da população, não haveria como objetar a um Estado islâmico, se esse fosse o desejo da maior parte dos iraquianos. Embora o laicismo seja desejável, várias democracias ocidentais estabelecem religião oficial e isso não as torna menos democráticas. Só haveria infração aos princípios democráticos se um eventual governo xiita se lançasse contra outras etnias ou limitasse seus direitos, o que não precisa necessariamente ocorrer.
Existem, é claro, argumentos teóricos e até práticos em favor da proposta americana. É preciso, por exemplo, assegurar alguma representação a grupos minoritários. A organização de uma eleição direta nacional poderia de fato atrasar a transferência do poder aos iraquianos. Mas, mesmo considerando tudo isso, parece mais verossímil acreditar que os EUA estão dispostos a patrocinar uma democracia no Iraque, desde que ela não se volte contra os interesses norte-americanos.


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