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O bode
ELIANE CANTANHÊDE
Brasília - A semana passada foi uma
roleta-russa, e a que começa hoje é tão
incerta quanto uma mesa de pôquer.
O câmbio rachou o governo, atraiu a
ira de empresários, expulsou quadros
como Pérsio Arida, alijou outros como
José Serra. E o que estamos descobrindo? Que desvalorizar o real não está
sendo um monstro tão monstruoso.
Até agora, pelo menos.
Há um ano, as reservas estavam tão
altas quanto a credibilidade do governo. Os governadores acabavam de renegociar suas dívidas. Os empresários
ainda não estavam demitindo. Os
partidos aliados já andavam se assanhando, mas mantinham uma certa
compostura. A situação internacional
tremelicava, mas se mantinha.
Com o tempo, deterioraram-se essas
condições favoráveis, até se acenderem os sinais vermelhos. A evidente,
inevitável, inexorável desvalorização
acabou saindo no tapa, no último minuto. E insuficiente. Tanto que dois
dias depois veio o câmbio livre.
Pois, vejam só, apesar de tudo isso o
Brasil sobreviveu. A taxa ditada pelo
mercado na sexta-feira (R$ 1,47) é
bastante razoável. As Bolsas tiveram
um pique espetacular, e com entrada
de capital externo. A sangria de dólares caiu de quase US$ 1,8 bilhão na
quinta para US$ 340 milhões na sexta.
Já se fala até em liberar o câmbio de
vez.
E mais: um novo aumento de juros
foi descartado, e alguns setores, abatidos pela perversa competição dos importados, recuperam o ânimo. Há até
alguma perspectiva de empregos.
Bem, estamos então no paraíso? A
léguas e léguas disso. Há incertezas,
dúvidas e um pânico renitente e justificável. O Brasil sacode mais do que
avião em nuvem negra. E a famosa estabilidade continua instável.
Mas o secretário dos Direitos Humanos, José Gregori (que não é economista), resumiu: "Tiraram o bode da sala". O bode era o câmbio, um erro que
cresceu como elefante e se arrastou como tartaruga.
Agora é correr contra o tempo e corrigir outros muitos erros. Até porque o
Brasil não aguenta mais. Nem nós.
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