São Paulo, domingo, 17 de janeiro de 1999

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Crise de poder

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Atribuo a dúvida aos neurônios castigados pela vida, pelo excesso de complicações e fadigas. Mas li não sei onde que, durante a campanha de Napoleão na Itália, o equivalente ao banco central da época fez as contas e achou que a França gastava muito com as tropas, pediu que ele voltasse, pois as finanças do país estavam exauridas. E os banqueiros particulares, que pagavam parte da fatura, queriam receber o que era deles, com os juros de praxe.
Acho que Stendhal fala sobre isso, mas o autor de "Le Rouge et le Noir" era mentiroso, inventava tudo, não é fonte histórica, embora seja um dos melhores mananciais para saber como se faz literatura e arte.
Lembrei isso porque a resposta de Napoleão para os banqueiros foi um palavrão, o mesmo que outro general francês pronunciou após uma derrota. A diferença é que Napoleão estava em vésperas de Marengo, que muitos até hoje consideram sua maior façanha.
Felizmente, o governo brasileiro ainda não chegou ao interessante estágio de hospício, em que abundam napoleões andando pelos corredores com a mão na barriga e dando ordens para a cavalaria atacar e a artilharia disparar. Mas está perto disso.
A prioridade que FHC deu àquilo que o governo arrota como "credibilidade internacional" acabou nisso que aí está: estamos sem credibilidade e sem desenvolvimento.
Sei que não foi Stendhal o autor da frase muito repetida e cujo teor vai de memória mesmo: pode-se enganar alguns durante todo o tempo; pode-se enganar a todos durante algum tempo; mas não se pode enganar todo mundo durante todo o tempo.
O governo de FHC dá sinais de ingovernabilidade -leio isso cada vez mais nos editoriais da mídia. Bichado politicamente, com suspeitas de corrupção até aqui não investigadas, a crise de agora está longe de ser apenas econômico-financeira. É uma crise de poder.



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