São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O bom para eles pode não sê-lo para nós

SERGIO FEROLLA E PAULO METRI

Por ocasião do quinto Fórum Social Mundial, concluído recentemente, na reunião de debates sobre o pico da produção mundial de petróleo, o expositor principal, Dick Burkhart, fez um apanhado da literatura técnica recente, tendo citado que, segundo o último estudo de Colin Campbell, baseado nas curvas de produção de petróleo dos principais países produtores, o referido pico deverá ocorrer em torno de 2008. Sobre esse tema, o artigo do físico Rogério Cerqueira Leite, publicado na Folha de São Paulo em 2/5/04, proporcionou fundamentados esclarecimentos.


No Brasil, as reservas de petróleo remanescentes jamais chegarão aos volumes dos grandes produtores mundiais


A tese daqueles autores é que, tão logo a curva da produção mundial de petróleo passe por um máximo e comece a declinar, o preço do barril, como conseqüência, será acentuadamente crescente. Do ponto de vista da economia mundial, não é importante considerar o momento da possível exaustão, sendo realmente significativo o momento em que o preço do barril irá superar todas as barreiras aceitáveis, o que deverá ocorrer bem antes.
A taxa de descoberta de petróleo tem sido quatro vezes menor que a sua taxa de consumo, tendo o pico da descoberta mundial de petróleo ocorrido em 1965. A produção americana atingiu o seu pico em 1971, e a produção do mar do Norte, recentemente, e, no momento, a curva da produção da maioria dos países já passou pelo ponto máximo. Existem fortes dúvidas de que países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita, tenham as reservas que argumentam ter. A produção do mar Cáspio está aquém do esperado. As novas descobertas da costa oeste da África e de outras regiões são modestas e não irão compensar o declínio dos atuais campos em produção.
No Brasil, as reservas de petróleo remanescentes jamais chegarão aos volumes dos grandes produtores mundiais, sabendo-se que a soma dos já dimensionados com os que estão por descobrir não supera os 30 bilhões de barris. Como necessitamos de 1,8 milhão de barris diários, é fácil concluir que, para uma demanda crescente de 5% ao ano, tais reservas estariam exauridas em 25 anos se destinadas apenas ao consumo nacional. É importante ressaltar que as reservas provadas são de apenas 16 bilhões de barris, possibilitando à Petrobras assegurar o abastecimento até 2020, período de nossa esperada auto-suficiência. No momento, o país depende de apenas 10% de óleo importado.
A lei 9.478 está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal quanto a sua constitucionalidade, principalmente por assegurar a propriedade do petróleo a quem o descobre. O principal argumento sobre as conseqüências funestas do prosseguimento pela Agência Nacional do Petróleo dos leilões de áreas das nossas reservas para empresas internacionais, com amparo na citada lei, é permitir que o petróleo descoberto seja exportado após complementar o suprimento doméstico de curto prazo.
Assim, em vez de permanecerem estocados em nosso subsolo, como assegurava o monopólio estatal, os milhões de barris a serem descobertos como decorrência natural das concessões serão exportados em crescentes volumes, reduzindo perigosamente os considerados 25 anos de suprimento interno garantido. No futuro, nosso país precisará importar esses mesmos volumes, se disponíveis, a custos inacessíveis.
Para agregar mais complexidade ao cenário, deve-se ressaltar a decisão de "assegurar acesso incondicional às fontes de energia" como um dos objetivos da política de defesa dos Estados Unidos, mostrando como o petróleo é considerado estratégico e essencial para a segurança e a manutenção do alto nível de desenvolvimento daquele país.
É sob esse quadro de incertezas que julgamos oportuna a mobilização da sociedade, para analisar aberta e detalhadamente a conveniência do benéfico e seguro sistema fechado de produção e consumo do nosso petróleo, que possibilitava, entre outras vantagens, não inserir na oferta ao consumidor doméstico o superlucro existente nos preços do mercado mundial, em especial nos conturbados momentos de instabilidade do fornecimento.
Como não há competição do lado da oferta, no mercado mundial, a abertura do setor do petróleo em nosso país, ocorrida na década de 90, só tem servido para aumentar, muito além da inflação brasileira, o preço dos derivados no mercado interno. Assim, trocou-se o monopólio estatal nacional pelo oligopólio privado estrangeiro, reservando-se astutamente, para umas poucas empresas privadas nacionais, posições minoritárias em alguns empreendimentos. Com essa esfarrapada estratégia, os arquitetos da mudança argumentam que ocorreu a desestatização do setor, quando, na verdade, ocorreu uma perniciosa desnacionalização.
As empresas privadas são bem vindas, mas atuando sob a supervisão da autoridade nacional, como ocorre na maioria dos grandes países. O fato de o Estado não poder, pelo modelo vigente, proibir a exportação do petróleo produzido por empresas do oligopólio bem mostra a prevalência dos interesses do capital sobre as demandas sociais, razão pela qual a decisão do Supremo se reveste de enorme importância e, nela, a sociedade certamente deposita toda uma benéfica e patriótica esperança.

Sergio Xavier Ferolla, 71, tenente Brigadeiro do Ar, é engenheiro eletrônico pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e ministro aposentado do Superior Tribunal Militar. Foi comandante e diretor de estudos da Escola Superior de Guerra (1993-94) e chefe do Estado Maior da Aeronáutica (1995-96).
Paulo Metri, 59, engenheiro industrial e mecânico, é engenheiro da Comissão Nacional de Energia Nuclear, conselheiro do Clube de Engenharia e da Federação Brasileira das Associações de Engenheiros.



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